Em visita a São Paulo, José António  Pinto Ribeiro falou da importância de acelerar alterações do acordo  ortográfico
Parcerias com o Brasil incluem ainda estudo do valor  econômico da língua, portal com textos no idioma e intercâmbio entre  artistas
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL  
O principal mote da gestão do advogado José António Pinto  Ribeiro, 61, ministro da Cultura de Portugal desde 30 de janeiro, é a língua  portuguesa.
Pinto Ribeiro esteve em São Paulo no início desta semana, quando  visitou o Museu da Língua Portuguesa, que pretende replicar em Lisboa, em  parceria com a instituição brasileira.
Em entrevista à Folha, o ministro  comentou a importância do acordo ortográfico, aprovado por seu país em 16/5  ("sem uma alteração, não temos uma política internacional comum para a língua"),  e citou outras ações conjuntas com o Brasil, como um estudo do valor econômico  do português e a criação de um portal na internet, com acesso gratuito a textos  de ficção e não-ficção, em português. Leia trechos da  conversa.
FOLHA - A sua antecessora, a  ministra Isabel Pires de Lima, não era favorável à aprovação do acordo  ortográfico por parte de Portugal. Como o sr. avalia a decisão final? 
JOSÉ  ANTÓNIO PINTO RIBEIRO - A proposta que ela vinha defendendo era a de  ratificar o acordo ortográfico dizendo, no entanto, que ele só entraria em vigor  daqui a dez anos [com a aprovação, o acordo será implantado em seis anos]. Isso  me parecia uma idéia politicamente sem consistência. Porque das duas, uma: ou a  gente casa ou a gente não casa. A gente não casa dizendo que o casamento só vale  dali a dez anos. Então casa dali a dez anos. Por outro lado, temos que decidir  se queremos ou não casar. Se [o acordo ortográfico] é uma coisa boa, então que  seja o mais depressa possível. Se é má, então não queremos pura e simplesmente.  
FOLHA - Quais as principais  críticas feitas ao acordo, em Portugal? 
PINTO RIBEIRO - Nós fizemos  cinco revisões ao longo do século 20. E não morreu ninguém. Compreende-se que,  quando mudou de cisne com "y" para "i", o Fernando Pessoa disse "eu vou  continuar a escrever com y, porque me lembra o pescoço do animal". E não  aconteceu nada, ele fez muito bem. Mas, por outro lado, ninguém quer que haja  nenhuma perturbação na alteração, porque não estamos a tratar do léxico, da  sintaxe, estamos a falar apenas da ortografia. E são muito poucas palavras. Mas,  por que é necessário alterar? Porque sem uma alteração ortográfica nós não temos  uma política internacional comum para a língua. Não temos motores de busca que  vão atrás de quatro versões gráficas da mesma palavra. Não temos um programa  informático que varie em função dessas coisas. E, se variar, fica muito mais  caro.
O acordo ortográfico nos permite perceber que, se os brasileiros  passaram a escrever segundo uma norma fonética, diferente da portuguesa, foi  porque dom João 6º, quando veio para o país, trouxe a imprensa, os juízes, os  funcionários, o Estado todo. Mas não trouxe dicionários. E não trouxe por quê?  Porque a Academia Portuguesa, em 1793, portanto 15 anos antes da sua chegada,  fez a letra "a" do dicionário da língua. Mas nunca se fez a letra "b", "c" etc.  Todas as outras academias de língua européia fizeram no século 18 seus  dicionários de língua. Nós não fizemos. 
FOLHA - O sr. defende que o  acordo tem impacto político e econômico... 
PINTO RIBEIRO - A língua  conforma a maneira como apreendemos o mundo, como equacionamos e resolvemos os  problemas que ele nos coloca. Quando nós queremos utilizar uma norma que seja  mais fonética e menos etimológica, estamos a tentar facilitar a aprendizagem, a  utilização da língua como língua de instrução e, ao mesmo tempo, de contato. A  língua é muito importante para expansão econômica de um país, seja Brasil,  Angola ou Portugal, porque, sempre que ele quiser internacionalizar-se, ele não  tem de mudar os manuais, de formar técnicos novos, de buscar intérpretes. Tudo  isso facilita a internacionalização e a criação de espaço mais uniforme de  intervenção de toda atividade econômica de um país no outro. Se pensarmos um  bocadinho, vemos que a economia espanhola não se internacionalizou na China, na  Índia ou na Rússia, ou Europa do leste etc.
Internacionalizou-se onde se fala  castelhano, em toda a América Latina. São os maiores investidores na América  Latina, maiores bancos, construtoras etc. E a partir daí entrou nos Estados  Unidos, na Europa... 
FOLHA - Que parcerias vêm sendo  realizadas entre Portugal e Brasil? 
PINTO RIBEIRO - A razão da minha  visita ao Museu da Língua Portuguesa em São Paulo foi também perceber quais são  as possibilidades de colaboração, o que nós podemos usar das soluções, daquilo  que foi feito e criado no Brasil. Gostaria de fazer um museu da língua  portuguesa em Lisboa, em diálogo com o de São Paulo. Ainda ao nível da língua  temos um estudo sobre o valor econômico do português. Outro projeto é o de ter  escritos científicos, técnicos, literários, on-line, acessíveis a toda a gente.  Que estejam em domínio público ou tenham autorização específica dos autores. No  século 18 e 19 dizia-se que língua é um dialeto que tem exército. Se não tem,  morre.
Hoje, em parte, a língua transformar-se-á em dialeto se não for uma  língua da net, se não for uma língua de pesquisa, de busca. Por isso é preciso  fazer um grande esforço para tornar acessível tudo aquilo que forma o patrimônio  da língua.
Outro projeto envolve uma coordenação política no âmbito da  Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que vai se reunir nos dias 24  e 25 de julho em Lisboa, sob o tema língua portuguesa. O Estado português vai  fazer um fundo, entre R$ 100 e 200 milhões, para o desenvolvimento,  aprofundamento e internacionalização da língua portuguesa. Gostaríamos de ver  que esse fundo fosse aplicado no âmbito da CPLP. Gostaríamos de coordenar os  centros culturais de modo que eles não fossem centros nacionais de cada país,  mas centros das culturas baseadas em língua portuguesa.
Há projetos ainda de  intercâmbio. Este mês, o governo português vai lançar o projeto InovArt, que  consiste em mandar 200 artistas portugueses, de até 35 anos, fazer residências  profissionalizantes, por nove meses. Onde quiserem, desde que a entidade onde  vai ser feita aceite. Gostaríamos que o Brasil pudesse receber os que quisessem  vir. E gostaríamos ainda mais que, numa lógica da reciprocidade, mandassem seus  artistas para Portugal.
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