Estado de São Paulo, 21 de abril de 2008
Caipira é aquele que fala o dialeto  caipira. É português, mas com palavras tupi e sotaque da língua brasileira. A  língua brasileira é o nheengatu, que existiu no Brasil até ser proibida por  Portugal, no século 18. Seu nome parece coisa de índio, e é. O nheengatu  incorpora a fala dos índios tupi, que ocupavam o litoral brasileiro. Na verdade,  até hoje, quem se refere ao Ibirapuera, fica jururu, come abacaxi ou se pendura  num cipó está se expressando nessa língua.
Há algum tempo, quando o  ex-presidente Fernando Henrique Cardoso usou a expressão "chega de  nhémnhémnhém", estava falando puro nheengatu. No Brasil Colônia, era falada  fluentemente em uma grande área do País, que ia de Santa Catarina ao Pará. A  elite também se expressava por meio dela, embora não em todos os setores.  Durante os processos, o juiz dispunha de um intérprete.
"Tivemos uma  língua brasileira até o século 18", diz o professor José de Souza Martins, do  Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP. "Só os portugueses,  que eram estrangeiros, falavam português."
A língua foi criada no século  16 pelos jesuítas, destacando-se o Padre Anchieta. O fundador de São Paulo era  lingüista. Para se entender com os nativos, classificou o tupi e criou uma  gramática da língua geral. Ou seja, o nheengatu. "Uma língua de travessia, não é  português, nem índio, eram ambas", diz Martins. O português, nesse caso, era o  que hoje chamamos arcaico. Convidava-se uma dona para uma função, em vez de uma  senhora para um baile. E dizia-se coisas como agardece (agradece), alevantá e  inorância.
Os índios tinham dificuldade em falar palavras portuguesas  como os verbos no infinitivo. E também palavras com consoantes dobradas (rr) ou  terminadas em consoante. Além disso, colocavam vogal entre consoantes. Mulher,  colher e orelha viraram muié, cuié e oreia. De sua dificuldade com o "erre", vem  o "pooorta", reflexivo, com a língua tocando o céu da boca. Martins esclarece  que "o dialeto caipira não é um erro, é uma língua dialetal". Mais do que isso:  "É uma invenção lingüística musical e social."
Os brasileiros viviam  muito bem com ela, até que, no reinado de d. José I (1750 a 1771), Portugal a  proibiu. O veto veio em um decreto do primeiro-ministro, o Marquês de Pombal.  Bania o ensino do nheengatu das escolas. A decisão foi acatada nas salas de  aula, mas o povo continuou falando no dialeto caipira. O tempo acabou por impor  o português, mas o dialeto puro resiste.
Ainda é falado em alguns pontos  da fronteira com o Paraguai. E, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, a 860  quilômetros de Manaus, uma lei de 2002 tornou o nheengatu língua co-oficial do  município. Na contramão do decreto do marquês, determina que seja incentivado  seu ensino nas escolas, e o uso nos meios de comunicação (o tucano e o baniva  também se tornaram línguas co-oficiais).
E ficou o "caipirês" da roça.  Por essas bandas, ensina Martins, a língua se multiplica. "Quando o novo  aparece, o caipira inventa, a partir da matriz da palavra, algo que tem sentido  para ele." Há certo tempo, Martins e um grupo de estudantes apresentaram  questões a algumas pessoas. Perguntaram a um homem: "Você concorda ou não  concorda?" O homem não entendeu. A pergunta foi sendo repetida, sem sucesso, até  que um dos estudantes mudou a forma: "Você concorda ou disconcorda?" Deu certo.  
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