(in Fragmentos do Discurso Amoroso, 13ª ed., 1995 - Ed. Francisco Alves - pg.98)
Sobre "Eu-te-amo"
"Passada a primeira confissão, "eu te amo" não quer dizer mais  nada; apenas retoma de um modo enigmático, de tanto que ela parece vazia, a  antiga mensagem (que talvez não tenha passado por essas palavras). Eu o repito  fora de toda pertinência; ele sai da linguagem, divaga,  onde?
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Eu-te-amo não tem empregos. Essa palavra, tanto  quanto a de uma criança, não está submetida a nenhuma imposição social; pode ser  uma palavra sublime, solene, frívola, pode ser uma palavra erótica,  pornográfica. É uma palavra que se desloca socialmente.
Eu-te-amo  não tem nuances. Dispensa as explicações, as organizações, os graus e os  escrúpulos. De uma certa forma - paradoxo exorbitante da linguagem -, dizer  "eu-te-amo" é fazer como se não existisse nenhum teatro da fala, e é uma palavra  sempre verdadeira (não tem outro referente a não ser seu proferimento: é um  performativo).
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Eu-te-amo - Eu-também
Eu  fantasio aquilo que é empiricamente impossível: que nossos dois proferimentos  sejam ditos ao mesmo tempo; que um não suceda ao outro, como se dependesse dele.  O proferimento não devia ser duplo (desdobrado): só lhe convém o clarão  único, onde duas forças se reúnem (separadas, desencontradas, elas não  passariam de um comum acordo). O clarão único realiza, pois, essa coisa  rara: a abolição de toda contabilidade. A troca, o dom, o roubo (únicas formas  conhecidas da economia) implicam, cada um a seu modo, objetos heterogêneos e um  tempo desencontrado: meu desejo em troca de outra coisa - e o tempo de que se  precisa para a transmissão. O proferimento simultâneo funda um movimento cujo  modelo é socialmente desconhecido, impensável; nosso proferimento, que não é  troca, nem dom, nem roubo, surge de fogos cruzados, designa um gasto que não  recai em lugar nenhum e do qual todo pensamento de reserva é abolido pela  própria comunidade: entramos um pelo outro no materialismo  absoluto."
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