Uma aula do meu grande mestre Claudio  Ulpiano. 
 Olha, eu vou usar... - muito pouco, porque nem todas as  pessoas viram...- um pouquinho do Scarface. (Certo?) Não muito, pouco. Scarface  foi um filme do Howard Hawks, que passou agora. E o que me importa, em primeiro  lugar, nesse filme, é a classificação que eu vou fazer nele...- de imagem-ação.  Essa questão da imagem-ação, ela é como que um solo, onde eu vou passar muito -  para que vocês entendam o resto. 
 Quando eu falar imagem-ação.. (eu vou devagar porque vai chegar mais gente,  viu?) Eu vou utilizar - representação orgânica - como sinônimo de imagem-ação e  a presença integral, no cinema-ação, do chamado esquema sensório-motor -  conforme eu coloquei ontem. Então, na imagem-ação, o esquema sensório-motor tem  que funcionar perfeitamente. Mas nesse filme - Scarface - (estou indo devagar  porque vai chegar mais gente) para os que viram - depois eu mudo, e não uso mais  esse filme - nota-se que ele vai.. se auto -destruindo em função de certos  comportamentos que ele tem - até que no final ele revela o amor incestuoso pela  irmã e ali é a queda dele. 
 (Eu vou fazer o seguinte: eu vou dizer - e aqui tem que ser marcado -  porque é para entrar no curso... não tem jeito!) Eu vou dizer que o Scarface  está num meio histórico. E o meio histórico pertence à imagem-ação. Nesse meio  histórico - que eu posso também chamar de situação - as personagens se  comportam. Então, no cinema-ação a gente tem o meio histórico e tem as  personagens com um comportamento. Esse comportamento - no Scarface - se altera.  Ele tem [seu] comportamento alterado, em primeiro lugar, porque o meio do qual  ele participa - que é o meio dos gângsteres - é um meio em que as alianças são  frágeis e reversíveis. (Quando vocês não entenderem levantem o dedo...)
 Alianças frágeis e reversíveis - eu vou dar uma explicação do que é uma  aliança frágil e reversível. Um antropólogo chamado Pierre Clastres  (Clas...tres) - no livro chamado A Sociedade contra o Estado... - diz que uma  sociedade primitiva... tem uma tendência para a guerra. Então, as sociedades  primitivas vivem em guerra e essa guerra não é jamais para conquistar  território, jamais por objetivos econômicos, jamais por objetivos estratégicos.  A guerra geralmente tem um objetivo - roubar mulheres (Tá?) Mas então, os  primitivos fazem uma prática muito original. Numa determinadas tribo, eles cedem  as suas mulheres para se casarem com os rapazes de uma outra tribo. Cedendo suas  mulheres, eles tornam, os rapazes dessa outra tribo, cunhados. Eles fundam a  cunhadagem - que é levar suas mulheres para se casarem com rapazes da outra  tribo. E aí eles têm uma certeza relativa, de que os cunhados não irão atacá-los  enquanto estiverem em guerra com os outros. Então, essa prática que os  primitivos fazem, é o que eu estou chamando de uma aliança frágil e  reversível.
 Essa aliança frágil e reversível está inscrita no mundo dos gângsteres.  Então, o gângster tem um meio histórico falso, sofrendo muita variação - que é o  meio dos gângsteres - e faz alianças, como eu falei, frágeis e reversíveis; quer  dizer, alianças que se quebram e se revertem. Quem, por exemplo, o Scarface mata  no filme? O melhor amigo dele! Ele mata seu melhor amigo - pá - porque o amigo  estava com a irmã dele. Então, nesse mundo dos gângsteres, as personagens têm  fissuras. Elas são fissuradas, elas têm falhas... - falhas no comportamento  (Atenção, que a aula vai começar a ficar muito difícil!) Elas têm falhas no  comportamento, elas têm fissuras. Então, as personagens do filme noir se  assemelham ao cônsul de À sombra do vulcão, no sentido de que o cônsul é uma  personagem que tem fissura, fendas, ele é falhado e... o mesmo ocorre com as  personagens de filme de gângster. Eles são todos falhados, todos fissurados. E  essa fissura... - já, no início do filme, você sabe quem vai perder. O gângster  é um perdedor nato. Ele sempre perde. E ele perde porque ele é fissurado.
 Aluno: Essa fissura da personagem, ela não se deve a uma posição moralista?  
 Cláudio: Não... não, não... Eu vou tentar explicar o que é fissura...  talvez não dê agora para vocês entenderem, mas não tem nada a ver com moral.  Nada, nada a ver com moral! De forma nenhuma! De forma nenhuma! A única coisa  que eu disse é que quando o meio, como o do gângster por exemplo, é um meio  falso - de falsas amizades, de falsas alianças, de falso coleguismo...- emergem  os comportamentos fissurados. A questão da fissura, se você me permite, vou  jogá-la um pouco pra frente, porque não tem como passá-la agora com a beleza que  ela tem... e, [além disso,] nesse momento, a proposição teórica não se  comportaria bem. 
 Mas o que me importa aqui? Importa dizer que no filme noir nós temos um  meio histórico... E que nesse meio histórico a personagem se comporta. Então, no  filme do chamado cinema-ação, no cinema da representação orgânica, você sempre  tem um meio histórico e o comportamento da personagem. A única diferença que o  filme noir traz é que esse comportamento é fissurado. Um dos grandes exemplos de  comportamento fissurado - os mais jovens ou os menos amantes do cinema talvez  não conheçam - mas um grande intérprete do cinema noir, ou de filmes policiais  ou de filmes de gângster foi o James Cagney. O James Cagney se destacava  exatamente porque tinha uma postura muito fissurada. Ele era muito pequenininho,  mas era todo fissurado. E vocês vão conhecer... evidentemente, quem não conhece  vai acabar conhecendo James Cagney, um dos grandes atores do cinema de gângster  americano. 
 (Eu queria que vocês então gravassem o que acabei de colocar). O  cinema-ação - eu apliquei todos os dois nomes em cima dele - representação  orgânica e esquema sensório-motor.
 Agora, a explicação do esquema sensório-motor. No meio histórico o que se  tem necessariamente que ter é um esquema sensório-motor perfeito. Perfeito... no  sentido de que a personagem tem que agir e reagir sobre o meio. Ela age e reage  sobre o meio. Então, o esquema sensório-motor tem que ser perfeito. Aí se  explica o fracasso do gângster. Pelo fato de ele ter isso que eu chamei de  fissura ou falha. (Vamos ver se eu consigo dar fissura aqui. Não sei se eu vou  conseguir... Muito bem! Tá?)
 Agora... no cinema-afecção eu já coloquei duas coisas pra vocês - eu  coloquei o primeiro plano e o espaço qualquer. O espaço qualquer vocês podem  dividir em espaço desconectado e espaço esvaziado. (Daqui a pouco vocês já vão  saber o que é isso). Então, a noção de "espaço qualquer" é de um meio diferente  do meio histórico. Por quê? Porque num espaço qualquer não há como a personagem  agir. A personagem não tem como agir no espaço qualquer - ela só pode agir no  meio histórico.
 (Eu vou colocar agora, para vocês verem, mais um filme do Joris Ivens  chamado A Ponte. E nesse filmizinho - de 12 minutos - vocês vão ver o espaço  qualquer. Vai aparecer o espaço qualquer aí. (Tá?) Na hora que o filme acabar, é  de importância vital que vocês perguntem qualquer coisa que tiver sentido.  
 Eu vou dar uma fortalecida pra vocês: vou voltar ao cinema-ação. 
 No cinema-ação, nós temos o meio histórico - pode-se usar também o nome de  meio geográfico ou pode-se usar o nome de situação. A personagem tem que ter o  esquema sensório-motor em perfeito funcionamento e o que ela faz é agir ou  reagir sobre o meio ou situação. É isso que a personagem vai fazer no  cinema-ação. 
 Quando a personagem age, eu posso utilizar o nome função - a função dos  órgãos. Quando, no meio histórico, uma personagem age, quem determina a ação  dessa personagem é o organismo ou a função dos órgãos - que é um dos mecanismos  motores de um corpo. (Atenção!) No cinema-ação a personagem (a) age ou reage  sobre o meio que ela percebe; (b) o esquema sensório-motor [tem que estar]  perfeito e (c) essa ação é uma função de órgão. 
 Quando nós passarmos para o cinema-afecção não vai haver o meio histórico.  Vai haver o que eu chamei de espaço qualquer. Num espaço qualquer não pode haver  função. Por quê? Porque o espaço qualquer não é construído para receber ações  dentro dele. Ele não é construído para isso. 
 Na penúltima aula, eu coloquei dois retratos - um barroco e um  renascentista - e disse que aqueles dois retratos chamavam-se ícone de contorno  e ícone de traço. Foi a primeira vez que eu tive condições de ligar o cinema a  uma semiótica. Agora é preciso que vocês marquem: um espaço qualquer chama-se  qualisigno. Então, na imagem afecção, nós temos três tipos de signos - que  seriam (1) o ícone de contorno; (2) o ícone de traço; e (3) o que eu chamei de  qualisigno. O que nós temos que fazer nesse momento (porque essa aula vai  crescer muito, viu?) é... usar a palavra opor - opor o espaço qualquer ao meio  histórico; e usar a diferença de espaço qualquer para meio histórico - porque  dentro do espaço qualquer o que ocorre são afetos - como por exemplo no filme A  Chuva - afetos de chuva. Em vez de ser ação-reação de personagens, o que se  passa no espaço qualquer é o ser-em-si das coisas que nele aparecem. Em A Chuva  foi o em-si da chuva; em A Ponte, o em-si da ponte. Então, quando a gente tem  essa noção de em-si - exclui-se da noção de em-si a idéia de função. 
 A função é uma associação da coisa com o meio histórico. Então, quando não  há uma associação da coisa ou da personagem com o meio histórico - que é o caso  do espaço qualquer - você não tem nenhuma ação. Nesse tipo de espaço é  impossível haver ação - porque ele não é constituído para ter ação.
 O filme - A Ponte - de Joris Ivens, de 1928, também chamado A Ponte de  Roterdan, é o cinema afecção. E nele você encontra o espaço qualquer. E a coisa  que aparece aí, nesse filme, é uma ponte. No outro, foi a chuva. Agora, o que  aparece da ponte e o que aparece da chuva são afetos de chuva e afetos de ponte.  O que significa que no espaço qualquer você não necessita obrigatoriamente de  uma personagem humana - pode ser uma coisa, pode ser um objeto, pode ser uma  nuvem, pode ser uma chuva, pode ser uma ponte. Então, no espaço qualquer, você  pode ter uma personagem humana, mas quando a personagem humana entrar no espaço  qualquer ela vai se desumanizar - porque a questão no espaço qualquer é que o  que entra dentro dele expressa afetos. 
 (Eu volto a esse tema daqui a pouco...)
 No cinema-ação - que é o cinema da representação orgânica - você não tem o  espaço qualquer, você tem o meio histórico. Você pode usar outros dois nomes -  bloco de espaço-tempo ou situação. No meio histórico há o pressuposto da  personagem humana. Essa personagem humana se comporta no meio histórico e o  comportamento é regulado pelos sentimentos. Então, meio histórico no cinema-ação  e espaço qualquer no cinema-afecção. 
 No cinema-afecção, o que participa do espaço qualquer pode ser qualquer  coisa - pode ser um animal, um homem, um objeto... não importa o que seja.  Porque a questão, no espaço qualquer, é aparecer o afeto daquilo que está sendo  dado; e esse afeto seria a essência daquele objeto - a essência da ponte; a  essência da chuva. 
 Já no cinema-ação o que você tem é o meio histórico e a personagem humana  ou todos que participarem do cinema ação - e todos são humanizados - como, por  exemplo, os cachorros e assim por diante. Então, o que aparece no cinema-ação  são os comportamentos regulados pelo sentimento.
 E hoje eu vou introduzir um terceiro. Eu vou introduzir pra vocês o cinema  naturalista. Eu vou introduzir... pra vocês terem mais poder de compreensão. No  cinema naturalista o que vai aparecer não é meio histórico nem espaço qualquer.  Vai aparecer... o que eu vou chamar de mundo originário. Então, vamos lá! Vamos  fixar o nosso saber. É: cinema ação - meio histórico; cinema afecção - espaço  qualquer; e cinema naturalista - onde aparece o mundo originário. E no mundo  originário não há comportamento nem afeto. O que há no mundo originário é  pulsão. Então, nós teríamos no mundo originário: pulsão; no espaço qualquer:  afeto; e no meio histórico: comportamento. 
 No mundo originário, a personagem - não importa o que ela seja - tende a  uma animalização. A personagem tende a uma animalização. Mas eu coloquei que no  mundo originário do cinema [naturalista] não há comportamento. O que há no mundo  originário são as pulsões. Agora, o que é pulsão? Por enquanto, para nós  entendermos, a pulsão é um comportamento perverso. Comportamento perverso. Por  exemplo: necrofilia, antropofagia e, assim por diante. Então, o comportamento  perverso como sinônimo de pulsão. Sinônimo de pulsão: comportamento  perverso.
 E aí eu distribuo três tipos de cinema. Todos três pertencendo à imagem e  movimento.
 O cinema ação - em que nós teríamos: o meio histórico e esse meio histórico  chama-se situação; e a personagem - que tem que agir sobre essa situação. Ela  age dentro do meio histórico, e essa ação é o comportamento dela - aí dá o  cinema realista. O cinema realista é exatamente o modelo de Hollywood: o cinema  em que você tem o esquema-sensório motor em perfeito funcionamento. Menos - às  vezes, nem sempre - no cinema noir, porque nele vai aparecer o que eu chamei de  comportamento fissurado ou falhado - ainda não posso explicar o que é isso - ou  fendido. Vocês usem um pouco a relação que vocês tiveram com a fenda sináptica -  e basta isso por enquanto.
 Agora, no cinema afecção não aparece nenhum meio histórico - nunca! O que  aparece no cinema afecção é esse espaço qualquer. No espaço qualquer, os  movimentos... - aí vocês se lembram que no princípio, o filme A Chuva, do Joris  Ivens, parece que é um cinema ação; depois você percebe que não, que não é um  cinema ação. Então, o que se dá dentro do cinema do espaço qualquer são as  afecções. Pode ser um homem, não é necessário que seja uma ponte, não é  necessário que seja uma chuva... - o que significa que tudo o que existe tem  afetos.
 Al.: Tem o quê? 
 Cl.: Afetos. Tudo que existe tem afeto, sempre: um copo de cerveja, um copo  de vinho, uma boca, uma garrafa. Tudo tem afeto.
 Agora, no cinema naturalista, o que aparece nele é o mundo originário. Esse  cinema naturalista vai expulsar o comportamento e vai fazer aparecer o que se  chama comportamento perverso. 
 (Vamos dar uma olhadinha para ver se eu consigo colocar alguma coisa pra  vocês.) 
 Por exemplo: no cinema noir, é muito fácil entender que o gângster é...  violento. Então, no cinema ação aparece a violência com muita clareza, com muita  nitidez - que no caso do cinema noir ou no caso do faroeste são as ações que as  personagens fazem dentro desse cinema. Agora, no cinema naturalista, a violência  é uma violência contida - é uma violência que não se efetua.... porque..., se  ela se efetuar, a própria personagem se destrói. A própria personagem se  destrói. Então, quando você se depara... (e isso para o ator é uma coisa  magnífica, vocês tomarem conhecimento disso...)...quando vocês se deparam com a  personagem pulsional, o rosto dela é de uma violência assustadora! O rosto!... É  um rosto que tem o que eu estou chamando de violência contida. É uma violência  que está presa no rosto. E esta violência não é, como no cinema realista, uma  violência efetuada. No cinema naturalista a violência é contida pela personagem.  
 Dos três grandes autores do cinema naturalista, o que mais trabalha com a  violência contida chama-se Losey - Joseph Losey. Agora, tem mais dois que vocês  vão conhecer e que eu vou trabalhar - o Buñuel e o Stroheim. Stroheim, Buñuel e  Losey - nesses três cineastas aparece o que se chama cinema naturalista. 
 (Eu vou voltar... e começar a explicar o cinema naturalista).
 A primeira coisa que a gente tem que entender do cinema naturalista, é que  nele não há um espaço qualquer, nele não há um meio histórico, (tá?) - nele há  um mundo originário. Então, existe um filme, de um tal de Sjöström (alguns  pedaços dele vão ser passados aqui), chamado O Vento - [na tradução brasileira]  é Vento e Areia - em que você tem a impressão de entrar em contato com o meio  histórico, com o espaço qualquer e com o mundo originário. Então, nele, a gente  tem assim a presença dos três componentes.
 Esse filme é quase um filme afectivo, é quase um filme naturalista - mas é  um filme realista. Por isso, nas imagens do filme, ora tem-se a impressão de que  se está no meio histórico, ora tem-se a impressão de que se está no mundo  originário, ora tem-se a impressão de que se está no espaço qualquer. Então,  esse filme vai [trazer] essa revelação para nós. 
 Em, o que eu fiz com vocês? O que nós fizemos aqui? Nós descobrimos duas  coisas fundamentais - que um filme supõe um lugar onde ele se dá: o filme  afecção é o espaço qualquer; o filme realista é o meio histórico, o filme  naturalista é o mundo originário. Então, todo filme da imagem-movimento supõe um  lugar. Supõe um lugar. E, desses três filmes, o único [cujas] personagens podem  ser coisas é o cinema afetivo. Por quê? Porque tudo o que existe tem afeto. Tudo  que existe tem afeto e o sentimento só existe no comportamento. O sentimento só  aparece no comportamento. Por isso, o sentimento é o componente principal do  cinema realista. Você vai para o cinema realista e... todas as personagens têm  sentimento. O modelo de cinema realista é a novela de televisão: todo personagem  tem sentimento. Tem sentimento e... manifesta esse sentimento. 
 Agora, quando você passa para o cinema naturalista, o sentimento vai  desaparecer, e vai começar a aparecer o que eu chamei de pulsão. A pulsão é um  comportamento pervertido. O que quer dizer "comportamento pervertido"? Quer  dizer que a personagem do cinema naturalista não age nem reage no mundo  histórico. Porque a personagem realista, o que ela pretende é transformar ou  manter, como ele é, o meio histórico. Já a personagem naturalista, o que ela  quer é extinguir o lugar [em] que ela está - ela quer extinguir o mundo  originário. Então, a personagem naturalista trabalha com pulsão, e o que a  pulsão pretende é exaurir o lugar onde ela está se dando. Ou seja: o  comportamento perverso, a prática pulsional, é uma prática de exaustão. Ela quer  destruir o mundo originário. É isso que a personagem naturalista pretende. No  espaço qualquer, não. No espaço qualquer os afetos se expressam. No naturalismo  é extinguir - exaurir é o melhor nome. 
 Expressão, no espaço qualquer; exaurir, no mundo originário; e  comportar-se, no meio histórico. Então, quando você pega esse três filmes, você  tem três tipos de atores - três tipos de atores diferentes. Por exemplo, um dos  grandes atores do cinema naturalista é o Stanley Baker - que é pouco conhecido.  Ele é pouco conhecido, mas tem um grande ator, muito conhecido, que é o Dirk  Bogarde. O Dirk Bogarde, num filme chamado O Criado, do Losey, marca com uma  precisão excepcional o que eu chamei de comportamento perverso ou pulsão.  Agora... comportamento perverso ou pulsão é diferente do que vem a ser o  comportamento num meio histórico. O comportamento no meio histórico é variável -  ele varia por causa da oscilação do sentimento. O ator, então, tem que está  preparado para fazer variação de sentimentos - ora ele chora, ora ele grita -  porque o comportamento é regulado pelos sentimentos. Quando você vai para o  cinema naturalista, já não há mais sentimentos - mas idéias fixas. A idéia fixa  torna a pulsão sempre a mesma. Ela é sempre a mesma - ela não varia. Aquela  personagem tem sempre aquele mesmo índice pulsional, (não é?) e a pulsão torna a  personagem... - que é sempre homem, ou mulher, claro, mas geralmente o pulsional  é o homem. No Losey, por exemplo, é o homem, no Buñuel varia -...a personagem  tem um comportamento que a torna um bicho. Parece uma hiena, parece um cão,  parece um camelo, parece um tigre. Não [] parece nas formas - mas na  atitude.
 Alº.: A personagem naturalista não teria uma alteração, ela não tem  comportamento ela tem apenas a contenção da violência. --?-- 
 Cl.: A contenção da violência... A violência aparece no rosto, mas existe  nele... e é preciso que vocês percebam bem isso, porque o rosto da personagem  naturalista explode de violência! Você olha e você se assusta. É literal - você  se assusta! Há um filme do Losey, Casa de bonecas, com a Jane Fonda, a Delphine  Seyrig, etc. que tem uma personagem - que é o Edward Fox - em que o rosto é  assustador, de tanta violência que o rosto dele tem. E eu estou chamando essa  violência de violência contida. Essa violência contida não aparece no cinema  realista - porque a violência do cinema realista se atualiza, se manifesta  através do... comportamento. Você vai encontrar então a personagem naturalista  com esse aspecto pulsional, com a idéia fixa e com a violência contida. Mas  aparece uma coisa notável aqui. É que a pulsão, ou seja, os comportamentos  perversos, são altamente inteligentes. Então, não é pensar que as personagens  pulsionais não tenham capacidade de efetuar o que elas querem. De forma nenhuma!  As personagens pulsionais têm uma inteligência privilegiada... uma inteligência  privilegiada!
 Al.: --?-- os filmes do Polanski? 
 Cl.: É possível. É possível que sim. Por exemplo, O inquilino tem muita  coisa de pulsional. 
 Al.:O Dirk Bogarde, em Porteiros da Noite, --?-- 
 Cl.: Realista! Realista!
 O Dirk Bogarde trabalha com o Losey, mas trabalha também com dois diretores  do cinema-tempo - o Visconti e o Resnais. Ele trabalha com os dois. Mas isso  aqui não importa. O que importa é ver se a gente entendeu um pouco do processo  naturalista. Então, vamos fazer comparativamente, dizendo que a personagem  naturalista é pulsional. A pulsão não tem alteração de sentimentos, não tem  sentimento nenhum. É até ridículo você pensar em sentimento naquele mundo ali -  não existe! Não há remorso, não há arrependimento, não há nenhuma dessas figuras  ali dentro e... a personagem tem uma idéia fixa. E essa idéia fixa, ela pode ser  jogada no mundo originário, ou pode ser jogada em outra personagem... - num dos  dois. Por exemplo: no filme chamado O Criado, a personagem pulsional quer  destruir duas coisas - a casa e o dono da casa. Ela dirige a pulsão dela para os  dois. Ela quer domina r, arrasar, exaurir aquilo. Então, eu queria que vocês  usassem esse nome - exaurir - na personagem naturalista. Ela visa à exaustão do  que eu estou chamando - por enquanto, porque não tem outro meio - que eu estou  chamando de mundo originário.
 Então, antes de entrar, antes de penetrar mais, vamos fazer uma  confrontação entre espaço qualquer, mundo originário e meio histórico. O meio  histórico é muito fácil de entender. Ele está no faroeste, no cinema noir, no  cinema histórico, no cinema psicossocial... Ou seja: todo filme realista implica  o meio histórico. Eu posso acrescentar pra vocês que o documentário também faz  parte do realismo. O documentário traz um pequeno problema, quando é sobre o mar  ou sobre o Alasca ou sobre o deserto - que você não tem o meio histórico - e aí  você chama de meio geográfico: é a mesma coisa, sem nenhum problema. (Tá?)  
 [Vejamos,] agora, o confronto do meio histórico com o espaço qualquer. No  espaço qualquer não pode haver comportamento, também não pode haver pulsão - só  pode haver expressão de afeto. Então, eu acho que esse filme daqui e A Chuva dão  conta disso. É o afeto de alguma coisa: a revelação da essência daquilo. Então,  não importa, no espaço qualquer, que seja um objeto, um bicho ou um homem. Tanto  faz! Porque [a questão] ali é a expressão de afetos. Então, por isso, o grande  modelo de expressão de afetos será o rosto no primeiro plano; as sombras e... o  que eu ainda não dei para vocês, que é o branco do abstracionismo lírico - hoje  não vai aparecer, (tá?) 
 Por que eu estou trazendo o cinema naturalista? Porque o cinema naturalista  é o que há de mais assustador na história do cinema. Por quê? Porque o que se  chama naturalismo... - e isto, inclusive na literatura e, por conseqüência, e em  função dela, no cinema -...o que se chama naturalismo é um realismo acentuado.  Você tem um mundo realista, normal... - normal, como se fosse imagem-ação - e  naquele mundo realista vão começar a aparecer os tais comportamentos perversos.  Então, o naturalismo - numa classificação definitiva - acentua os traços do  realismo - a grande classificação naturalista é essa. (Foi bem até aqui? Acho  que foi, não é?)
 Agora, nós temos que ver o que é mundo realista. E o sinônimo que eu dei  para o mundo realista ou imagem-ação foi o de representação orgânica. O que quer  dizer, que o que existe no mundo realista são organismos - o que nós chamamos de  seres vivos. [O que] nós chamamos de ser vivo é o ser orgânico. Então, no mundo  realista aparece o que se chama representação orgânica e essa representação  orgânica tem um meio - um modo de existir. Esse modo de existir é circular. Por  exemplo: na representação orgânica forma-se uma cadeia circular, no sentido de  que A precisa de B, que precisa de C, que precisa de D, que precisa de E, que  precisa de A. É um ciclo. A representação orgânica é um ciclo e esse ciclo é  onde as personagens realistas estão incluídas. Elas habitam esse ciclo!
 O que vai acontecer no cinema naturalista é que as personagens naturalistas  vão querer destruir o ciclo. Ou seja, a personagem naturalista - eu vou m arcar  assim, porque é a melhor maneira para se entender - traz duas [questões] - ódio  e amor pelo realismo. Ela traz essas duas [questões]. Se o ódio prevalecer, ela  vai procurar destruir o ciclo orgânico, pra desfazer aquilo. Por isso, a  personagem naturalista se torna degradada. Ela degrada, pega o meio em que ela  está habitando e degrada aquilo tudo. Ela vai degradando, exaurindo, vai  destruindo aquilo dali. 
 Então, eu estou colocando agora uma coisa um pouco difícil - que é o que eu  chamei de ciclo orgânico. Isso é muito difícil. A noção de ciclo orgânico é uma  tese de que a vida - ao se constituir neste planeta e parece que ela só se  constituiu no nosso planeta - ela se constituiu por um ciclo, que nós chamamos  de ciclo da vida, o ciclo do organismo. 
 LADO B
 O ciclo orgânico é nascer, envelhecer, morrer, nascer, envelhecer... Nasce,  envelhece e morre... Aí deixa os descendentes, que nascem, envelhecem e  morrem... É exatamente isso o ciclo orgânico. Então, o mundo realista - eu já  estou começando a tentar explicar a falha, explicar a fissura. O mundo realista  é o mundo do organismo. E todos os seres orgânicos se comportam, eles têm um  comportamento e esse comportamento do organismo é um comportamento cíclico. (E  como a C... notou), nasce, envelhece, morre, nasce... Por enquanto é só isso,  (tá?).
 Agora, a personagem naturalista... vai pegar esse meio histórico - ela pega  esse meio histórico do realismo e procura destruir esse meio histórico. Há,  então, uma diferença do processo da personagem realista para a personagem  naturalista. A realista conserva ou reforma o meio... e a naturalista vai tentar  destruir o meio. Na hora em que ela destrói o meio, esse meio, ao invés de se  chamar meio histórico, vai se chamar meio derivado. Então, no realismo, você  teria o meio histórico e no naturalismo, você teria o que se chama meio  derivado. Por que meio derivado? Porque por trás do meio histórico naturalista -  que se chama meio derivado - estaria o mundo originário. Quando a gente vê um  filme naturalista... - o exemplo que eu vou dar para vocês é "Casa de  Bonecas".
 "Casa de Bonecas" é um texto do Ibsen que é dirigido pelo Losey. É uma  cidade que está montada em cima da neve. E tem planos gerais em que você tem a  impressão de que a neve vai comer a cidade, vai engolir as casas. Então, essa  neve, onde as casas estão assentadas, é o que se chama mundo originário. E as  casas, meio derivado. Então, no mundo naturalista, você tem o mundo originário,  que é exatamente onde o meio histórico se instala. Ele se instala no mundo  originário. No caso do mundo realista, não. No mundo realista o meio histórico  se dá isolado; e no naturalismo o meio histórico se dá no mundo originário. E  esse mundo originário é muito variado. Por exemplo: no Stronheim, é um deserto  assustador; e... no Losey, pode ser a neve, podem ser helicópteros batendo asas,  podem se pássaros, podem ser penhascos, ou seja, o mundo originário é uma coisa  estranhíssima que o diretor nos mostra no filme. E instalado nesse mundo  originário estaria o meio histórico. O próprio meio histórico realista. Mas como  o meio histórico realista, no mundo originário, ele não vai receber  comportamento, e vai receber pulsões, esse meio derivado vai ser inteiramente  destruído. Ele vai ser exaurido. Há um grande exemplo pra isso que é um filme do  Buñuel chamado O Anjo Exterminador. Nesse filme, as personagens estão dentro de  um palácio, uma casa riquíssima, e elas vão literalmente destruir a casa. Vão  arrancar tudo! Porque elas vão ficar presas dentro da casa e vão começar a  destruí-la. Essa casa... (Nesse filme que vocês vão ver, O Anjo Exterminador)  essa casa é um meio histórico, mas se fosse num filme realista as personagens  teriam, ali dentro, um comportamento de manutenção ou transformação da casa. Mas  como elas são personagens naturalistas - vão destruir a casa.. Por isso não se  chama meio histórico, chama-se meio derivado. E, no meio derivado, por baixo  dele, está o mundo originário. O que a personagem pulsional visa, é fazer o  mundo originário subir.
 Al.: Eu posso dizer que em vez de meio histórico, seria o meio histórico  degradado? 
 Cl.: É o meio histórico degradado - é exatamente isso! 
 Você pega a casa de O Anjo Exterminador... e pega a casa... o palácio do  filme do Scorsese! Esse último filme do Scorsese... 
 Als: A Época da Inocência. 
 Cl.: A Época da Inocência. É um filme realista - as personagens, ali  dentro, se comportam magnificamente. E em O Anjo Exterminador, elas destroem a  casa! {Essa casa] pode se chamar meio derivado.
 Alº.: No caso do Losey, naquele filme O Mensageiro é um filme naturalista,  não é? 
 Cl.: Inteiramente naturalista! 
 Alº.: Então, se tem um ciclo orgânico ali, as personagens tentam atingir...  seria a relação daquele casal e a representação dessa pulsão seria aquela carta?  
 Cl.: Não, a pulsão ali é do casal Julie Christie-Alan Bates, em cima do  garoto. O filme em inglês chama-se The go-between. Então, eles estão... 
 Alº.: A pulsão seria dos dois então? 
 Cl.: Dos dois em cima do garoto... em cima do garoto. É. 
 Alº.: Ele seria o ciclo orgânico, então? 
 Cl.: E ele vai começar a sair, porque ele é devorado por aqueles dois.  Tanto que o filme é um flashback, porque realmente o filme é o garoto velho -  que é o Michael Redgrave, (não é?) Se eu não me engano, é ele - é ele velho e  todo ligado ainda ao casal, todo ligado a casal (não é?) que levou ele à  exaustão. E o mundo originário ali (quem viu esse filme...) é o jardim onde ele  tem a bela dona. Esse filme é O Mensageiro (Vocês vão ver. Eu vou passar esse  filme!)
 Alª.: O Criado tem um jardim também... seria... 
 Cl.: O Criado tem um jardim com as estátuas. Aquelas estátuas... é o meio  originário. 
 No mundo do cinema naturalista você sempre vai encontrar esse mundo  originário. Esse mundo originário é parte do cinema naturalista. 
 Alº.: Então, quer dizer que a pulsão ali [---] brigava com o casal o tempo  inteiro... A tentativa deles é destruir... 
 Cláudio: O tempo inteiro. É... exaurir... tudo - eles querem exaurir tudo!  Aquele caso de amor deles é levar tudo à exaustão. A mãe é a reação realista.  
 Alº.: E Teorema, seria... 
 Cl.: Não! (Teorema, não. Não, porque você nota que em Teorema você tem o  mundo originário - que é o mundo antropofágico; e você tem o meio histórico -  que é a casa onde está a pocilga. Ah! Você falou Teorema... eu confundi o  Teorema com Pocilga!) Não é. Também não é. Eu vou colocar O Teorema como cinema  tempo. O cinema tempo. Alguma coisa muito próxima do cinema tempo. Porque, ainda  que a personagem entre ali e ele comece a tomar conta de tudo, não faz como a  personagem naturalista. A personagem naturalista é - literalmente,  assustadoramente -destruidora: DESTRUIDORA!
 Alª.: No caso de O Anjo Exterminador também tem uma casa, um jardim... a  pulsão não parte só das personagens - mas também tem --?-- a casa e --?-- as  personagens? 
 Cl.: É porque você tem a pulsão...A pulsão é dupla: tem um sujeito e tem um  objeto. (Certo?) Então, às vezes, você confunde! Porque o objeto pulsional é um  objeto em pedaços, ele é sempre despedaçado, ele está sempre em pedacos. Você  nota que eles fazem isso na casa - eles vão despedaçando... É como se fosse O  Cortiço do Aloísio Azevedo. Eles vão despedaçando aquilo tudo. Às vezes a gente  confunde a noção de pulsão, porque a pulsão pode estar do lado do sujeito ou  pode estar do lado do objeto. (Depois eu vou explicar completamente, para vocês,  o que é pulsão). 
 O que apareceu aqui? Meio histórico, espaço qualquer, meio derivado...  sobre o mundo originário. Quando ele fez a pergunta eu ouvi pocilga e Pocilga...  - é muito interessante, vocês viram? Eu vou só dar um exemplo rápido então, tá?.  Em Pocilga há um momento, na primeira parte do filme, que é uma prática  antropofágica. Ali você tem o mundo originário. E a segunda parte é o meio  histórico. Mas no Pasolini há uma parte e a outra - estão separadas. No cinema  naturalista elas estão um em cima do outro. É essa a diferença! A diferença  estaria aí: um está em cima do outro. (Tá?) 
 Então, nós vamos pegar agora - vou usar assim para ficar fácil: o cinema  afecção - a personagem do cinema afecção. Eu disse para vocês [que a personagem  desse filme pode ser] qualquer coisa, mas qualquer coisa no sentido que eu dei  na aula de ontem ou de anteontem, (se vocês não pegarem, avisem para mim!) que  seria o sentido monadológico, que seria - as coisas espiritualizadas e o  espírito fragmentado!... O que eu quero dizer com isso? Eu quero dizer que, no  filme do espaço qualquer, o que aparece são os afetos das coisas ou dos homens -  não importa! Afetos expressados - enquanto que os comportamentos são  atualizados.
 Alº.::--?--- Isso que você está falando dessa coisa monádica e do espírito  fragmentado, para mim está indo de encontro à idéia de coisa em si, de uma  essência. 
 Cl.: Porque o que eu disse é que, quando nós pensarmos a essência no plano  das mônadas, ao invés de pensar uma essência, as mônadas são uma multiplicidade  de essências. Então, a chuva - ela tem uma multiplicidade de essências. (Certo?)  Esse filme do Joris Ivens é uma expressão das essências da chuva. Mas outro  autor pode fazer outro tipo de filme - porque não é uma essência só. (Entendeu?)  Isso é que é a monadologia. No cinema afeto você espiritualiza o espaço  qualquer. O espaço qualquer é espiritualizado. (Se estiver difícil vocês falem,  heim?) E esse espaço espiritualizado é - imediatamente - fragmentado. Esses  fragmentos chamam-se... afetos. São os fragmentos espirituais, são fragmentos do  espírito. Ou melhor: o espírito nada mais é do que expressão de afetos. Esse  cinema... esse cinema afecção chama-se cinema expressivo. É o cinema expressivo.  Por exemplo, a Falconetti, estão lembrados? A Falconetti... a Joana D'Arc... do  Joana D'Arc. O que ela faz ali não é de maneira nenhuma encarnar sentimentos. O  que ela faz é... expressar afetos. São PURAS EXPRESSÕES AFETIVAS do cinema de  PRIMEIRO PLANO. Então, isso seria o espaço qualquer... - e a esse espaço  qualquer eu vou voltar: porque é um caminho de uma riqueza e de uma beleza  extraordinária - eu vou voltar muito forte nele; e... dos dois lados, o cinema  realista e o cinema naturalista. 
 Agora, eu chamei o cinema realista... Agora é que vem a grande questão!  Dificílima! Se eu não conseguir governar o discurso pra vocês, eu faço uma  deriva, (tá?). 
 No cinema realista nós temos o que se chama representação orgânica (tá?).  Então, o cinema realista pressupõe o organismo - e o organismo é aquilo que se  comporta por variação de sentimentos. Agora, a pergunta é... que é uma pergunta  biológica, é uma pergunta de biologia evolutiva... (ninguém fica preocupado,  pensando que vai ouvir uma coisa impossível de ser entendida. Não!) O  organismo... para você pensar o organismo há um pressuposto - você não pensa o  organismo por estética, por religião, por ciências sociais... Você pensa o  organismo por biologia... por biologia.
 Então, quando você investe na biologia para entender o que é um organismo,  você descobre que, no nascimento do organismo, pressupõe-se uma força genética  que produz o organismo - mas que essa força genética não é orgânica. (Ficou  muito difícil?). Ela é uma força genética, não orgânica - ela não é  inorgânica... (Deixa eu explicar para vocês o mais que eu puder!...)
 No século passado, um cientista chamado Pasteur provou - ele provou - que o  organismo não se origina no inorgânico. Ou seja, o que não for o organismo não  tem sua origem no inorgânico. Tudo que é orgânico nasce - vai dizer o Pasteur -  nasce do orgânico (Certo?). Então, você não pode ter um ser vivo nascendo do  inorgânico.
 Mas, o que eu estou dizendo agora para vocês é que o orgânico - que não  nasce do inorgânico - nasce de uma força genética - que eu vou chamar de  anorgânica. Não vou dizer que é in orgânica: vou dizer a norgânica. Ou seja,  tudo que está vivo, que nós conhecemos, é o orgânico - mas o orgânico pressupõe  uma gênese. Essa gênese é o ANORGÂNICO. E o que é exatamente a gênese... (Está  muito difícil aqui? Vocês acham que dá para atravessar isso aqui - na biologia?  Como é que vocês acham? Está muito difícil? Eu vou tentar dar uma explicação de  outro modo pra vocês.)
 Existe uma palavra chamada hábito (eu falei nela ontem) que nós costumamos  compreender como sendo repetição - o hábito seria um processo repetitivo. [Mas]  n ão é. Hábito é um processo contraente; hábito é uma contração - como se gente  diz: contrair matrimônio, contrair uma dívida. Hábito é uma prática de  contração. Dois elementos que estão separados se juntam - e isso é uma  contração, é uma síntese. Nessa contração, nessa síntes e, na junção de dois  elementos que estão separados - é que vai nascer o organismo. Então, - basta que  vocês entendam isso -, há um pressuposto para a [aparição] do organismo: a  contração de elementos que estão separados. [Ou seja:] todo organismo pressupõe  uma contração. A contração chama-se habitus (com us) habitus.
 Habitus é a contração de dois elementos que estão separados... - aí aparece  o organismo. E, no organismo, aparece o comportamento. Então, a fissura é um  relaxamento da contração. (Ficou muito difícil, não é? - risos - Ficou barra  pesada!). É muito simples: nós..., os seres vivos, neste instante, todos nós  aqui estamos contraindo - o nosso corpo está fazendo contrações (não é  contorções, é contrações!) Ele está juntando [reunindo, fazendo uma síntese,  contraindo] elementos que estão separados - por exemplo: água, terra, fogo e ar;  fósforo, carbono e outros elementos atômicos estão sendo contraídos; e, nessa  contração, surge o organismo. Então, nós, os vivos, somos constituídos pelo  habitus. O habitus é (muito difícil ainda? Fala, C...) O habitus é um  anorgânico, um anorgânico. O habitus (usa com o s) é a contração, aquilo que  constitui o nosso organismo.
 Então, se o nosso organismo parar de contrair - ele tem uma fissura; uma  falha. A falha vem exatamente da quebra do habitus. E no cinema noir é isso - o  habitus pára; e aí o personagem se fissura. Porque os elementos, que estão  juntos, se separam e o personagem é fissurado. Ele ganha uma fissura, ele ganha  uma falha dentro dele - e aí ele não consegue mais ter comportamentos normais:  passa a ter comportamentos assustadores, como é o caso do Paul Muni no  Scarface.
 Então, o que eu chamei de fissura seria uma... (é difícil, não é?)...um  relaxamento... re laxa. De repente todo o nosso corpo - que se constitui por um  conjunto ilimitado de habitus, um conjunto ilimitado de contrações - de repente  as contrações param. E quando elas param - emerge uma fissura dentro de você.  Surge alguma coisa ali - surge uma falha. É como uma falha de São Francisco - a  falha na rocha! É a mesma falha que tinha o cônsul - aquele cônsul de A Sombra  do Vulcão. Aquela falha ali é uma falha do habitus. Quando essa falha se dá, a  personagem costuma jogar dentro dela o álcool. O álcool - o alcoolismo está  associado com o habitus.
 Al.: Posso comparar a fissura com a fenda? 
 Cl.: Pode! É a própria fenda. (Deixa eu explicar pra você entender).
 Quando essa fenda se dá, a personagem é levada a tomar atitudes incríveis -  dentre elas o alcoolismo, que é uma tentativa de endurecer aquela fenda.  Endurecer... A personagem tenta endurecer-se no presente - ela não quer que o  presente passe: ela quer se prender no presente, ela quer se segurar naquela  fenda, ela não quer cair lá - dentro da fenda. Então, ELA BEBE para endurecer o  presente. Ela quer se esquecer, ela não quer se lembrar, ela não quer projetar.  Ela produz essa fenda.
 Alº.: E a personagem naturalista também tem fenda?... 
 Cl.: Não, não! O personagem naturalista não tem nenhuma fenda. O problema  naturalista é completamente diferente. O problema naturalista é o problema da  pulsão. É o problema da violência excessiva que a personagem naturalista possui  - ela possui uma violência excessiva - e ela está sempre visando à exaustão dos  meios. Ela quer exaurir tudo. Ela quer exaurir tudo. Por isso ela compõe uma  inteligência muito poderosa. As personagens naturalistas são excessivamente  inteligentes.
 Alª.: Mas o alcoólatra não é degradante? 
 Cl.: Não é degradante! Eu estou colocando a posição do alcoólatra, e da  fenda e da fissura no cinema realista. Eu estou colocando no realismo. A fenda é  no comportamento, a fenda é o relaxamento do habitus. Ela não é um comportamento  degradante. Ela não é um comportamento degradante porque, inclusive, no realismo  (você deve saber muito bem disso!)... no realismo, normalmente, a personagem  alcoólatra é curada. Ela é curada. Há um exemplo de um grande filme realista,  famoso, chamado Farrapo Humano, com o Glenn Miller, que ele é curado no final...  Ele é curado no final. 
 Alº.: Destruir o mundo real... e não o mundo original? 
 Cl.: Heim?... A personagem realista, mesmo com a fenda, ela não busca  destruir o mundo - ela quer destruir-se a si. A si, a si própria. 
 Alª.: Ela quer a paralização, não é? 
 Cl.:Ela quer a paralização do tempo. Ela quer endurecer o presente. Ela não  quer mais que as dimensões do passado e do futuro apareçam para ela. Ela  endurece - ela endurece o presente. (Eu vou voltar com isso na próxima aula).  
 Alª.: E aí ela vai criar uma fenda? 
 Cl.:Não, a fenda já apareceu. A fenda já apareceu!. (Eu vou contar pra  vocês... só um minutinho, tá? Então pode falar, pode falar...)
 Alº.: Não, eu queria falar isso. Voltar com a proposta a respeito da fenda  é um fato irreversível, não é? Quer dizer: toda a compreensão -- ela cessa --?--  
 Cl.: Você sabe que os filmes realistas, eles... por exemplo, o Farrapo  Humano, eles curam, eles curam - o Glenn Miller foi curado no filme. Mas o  importante aqui é que essa personagem, ela vai ser (como eu coloquei para vocês)  penetrada de luz, lembra?. A fenda sináptica - ela é penetrada de luz. Então, eu  vou dizer uma coisa muito violenta agora! A única maneira que nós temos para  pensar é - se nós formos fendidos. 
 Alª.: Formos, o quê? 
 Cl.: Fendidos, falhados, fissurados.
 A fissura é um componente essencial para o pensamento... porque - se você  não fissura - você entra na banalidade do meio histórico; no comportamento  banal. (Então, essa questão da fissura - eu só estou começando a tocar nela: vou  voltar mais tarde.)
 Agora, o exemplo que eu ia dar... eu vou dar o exemplo de um autor chamado  Scott Fitzgerald. O Scott Fitzgerald tem um texto chamado The Crack-up  (c-r-a-c-k u-p). Que é traduzido em português por A derrocada. O Fitzgerald, ele  viveu nele mesmo a fenda, tanto ele quanto a Zelda. Eles viveram a fenda. E o  grande exemplo de fenda, na obra do Fritzgerald, é o Gatsby". O Grande Gatsby.  (Marquem aí que a gente vai ver o filme.) O Grande Gatsby, com Robert Redford...  é um filme que a gente não pode deixar de ver... faz parte da nossa história...  O Gatsby é um alcoólatra... com... dez anos de alcoolismo, quando re-encontra a  Mia Farrow, casada com o Bruce Dern. (Não me lembro o nome das personagens fora  do cinema). 
 Então, eu só estou passando a idéia de fenda e a idéia de fissura. 
 Alª: É Roberto Ford, Mia Farrow, Bruce Dern, Karen Black 
 Cl.: Karen Black - ela fez O Dia dos Gafanhotos.
 Mas, então, eu vou deixar a personagem realista com duas posições: ela...  no cinema noir, é que vai aparecer a fenda, por causa do meio - eu não estou  dizendo que o meio é causa: eu não estou dizendo isso. Mas a gente pode pensar  no meio como causa - porque o Fritzgerald (não sei se vocês conhecem a obra do  Fitzgerald...)
 Alº.: Suave é a noite. 
 Cl.: Heim? Suave é a noite... Belos e Malditos... Belos e Malditos seria o  mais interessante para vocês lerem, no sentido de que o Fitzgerald tinha  talento, mocidade, beleza física, dinheiro, sucesso assustador, freqüentava um  dos melhores meios aristocráticos norteamericanos, casado com a Zelda -  belíssima!... Então, ele tinha TUDO, mas ainda assim, a fenda apareceu. Então, a  fenda é como se fosse um rio que corresse por baixo de nós. O Rio Aqueronte. O  Rio Aqueronte é o rio que banha o inferno. É como se corresse um rio tórrido, um  rio de fogo, dentro de cada um de nós. Então esse rio, de repente, sobe e produz  o relaxamento ou a perda do habitus e produz a fenda.
 Eu vou abandonar o realismo. (Tá?) Não tenho tempo para [trabalhar] o  realismo.
 Alª.: Me diz só qual é a fenda do cinema noir, esse do gângster? 
 Cl.: No cinema noir é esse menino o (como é o nome dele?) Paul Muni que,  como todos os gângsteres feito ele, vai conquistando todo o meio. Ele conquista  todo o meio... e chega a um ponto de ter um domínio total sobre ele. O que vai  destruí-lo é a fissura. Essa fissura aparece na relação que ele tem com a irmã,  que é uma relação incestuosa; na relação violenta que ele tem com os outros; e  no fato de ele ter quebrado a principal aliança que ele tinha, com o maior amigo  dele. Ele mata a maior aliança que ele tinha. Então, a fenda aparece aí. A fenda  aparece. Ele fica falhado. E isso vai levá-lo à morte. E o que eu estou dizendo  pra vocês... - e aí eu estou colocando o cinema e a literatura noir - [é que  ambos] implicam a personagem falhada. (Tá?)
 Agora, eu os aconselharia, nesse caminho que a gente está fazendo, a pegar  o cinema noir e os grandes textos de literatura noir... - como o David Goodis.  Eu aconselho o Atire no Pianista do David Goodis, pronto! Quem ler esse livro  cresceu na vida cem metros. É um obra prima! Atire no Pianista! 
 Há um Truffaut... Truffaut fez o filme, com o Aznavour - mas o filme não  chega aos pés do livro. É uma obra prima. Aconselho vocês a terem contato com  esse livro.
 Vou largar o realismo. Vou agora para o naturalismo. (Tá?)
 (Prestem agora atenção sobre o que é uma aula. O professor... - ele tem o  pensamento dele. Eu tenho o meu pensamento, quando eu estou lendo um texto,  quando eu estou escrevendo. Mas... há o processo da aula. O processo da aula é  um agenciamento. E nesse agenciamento... eu tenho que dar um certo conforto a  vocês. O conforto de não jogá-los numa... fenda, não torná-los alcoólatras. E  isso daí faz com que eu diga muitas coisas provisórias - que depois eu vou  mudar! Há muitas coisas que eu digo provisoriamente, para que vocês possam  ganhar um pé, ganhar um eixo, ganhar... como se diz vulgarmente, ganhar uma  referência, um eixo. O ponto de apoio de Arquimedes. Aquele ponto de  apoio.
 Agora, eu volto para o naturalismo. Volto para o naturalismo e nós vamos  conhecer então uma das coisas mais bonitas da história do pensamento. O grande  pensador do naturalismo, que é um literato, chama-se Émile Zola, francês, [que  desempenha] o primeiro, o principal [papel de defesa] do caso Dreyfus - e o  livro do Émile Zola que eu vou aconselhar nesse instante para vocês (na próxima  aula vou aconselhar outro, por supor que vocês leram esse) é A Besta Humana.  Atenção! No cinema vai aparecer um diretor de altíssimo nível que faz diversos  filmes dos livros do Zola - é o Jean Renoir. Jean Renoir é filho do pintor  Auguste Renoir. Mas o Jean Renoir não é um cineasta naturalista. Incrível, mas  não é! Não é! (Viu? Depois eu volto ao Jean Renoir. Eu volto ao Jean Renoir para  explicar a vocês.)
 O cinema naturalista quer se libertar do meio histórico. Ele quer sair do  meio histórico - no sentido de que o meio histórico seria... (aqui é um pouco  difícil... as palavras não serão difíceis, mas o entendimento pode ser confuso  nesse momento.) O meio histórico é onde predominam os movimentos - e o que o  artista naturalista objetiva conquistar o tempo puro (é a primeira vez, neste  curso, que vocês estão ouvindo isso). Ele objetiva conquistar o tempo puro. (Nós  não sabemos ainda o que é o tempo puro, nós temos que usar essas palavras -  tempo puro - como um mero nome...) O artista naturalista quer conquistar o tempo  puro. Mas quando ele vai fazer um investimento para produzir essa conquista, ele  começa a gerar os componentes negativos do tempo. E esses componentes negativos  são: entropia, degradação, violência contida, e agora, surpresa, ciclo. Ele  começa a gerar os elementos negativos do tempo. Esse momento de aula é um  momento gravíssimo, porque é o momento que eu tenho para passar da  imagem-movimento pra imagem-tempo. Nós vamos passar da imagem-movimento para  imagem-tempo pelo cinema naturalista. Eu poderia fazer como Deleuze - ele passa  pelo cinema relação. Eu vou passar pelo cinema naturalista. Então, o diretor do  cinema naturalista, Buñuel, no caso, (quem mais?) Losey e Stronheim. Esses três.  O que eles querem? Eles querem o tempo. Eles querem o tempo. Então, aquele que  quer o tempo - aquele que quer o tempo como a sua salvação, como a saída para a  vida - a primeira coisa que ele tem que fazer é destrui r o mundo realista, é  destruir o ciclo realista, é destruir a representação orgânica. Então, o  primeiro confrontamento que o cineasta ou o artista tem é exatamente com o que  eu chamei o meio histórico e o comportamento. Ele se defronta com aquilo, ele  não quer aquilo para a vida dele. 
 Vejam bem: não há aqui uma posição clássica - porque muita gente pode  pensar nestes termos - uma posição clássica, digamos, marxista.... Não é em  termos de luta de classes - porque o naturalista ele rejeita o bom e o mau, o  doente e o sadio, o pobre e o rico. Ele rejeita tudo... Ele rejeita tudo que  está no mundo realista - ele não quer aquilo, ele não quer aquilo de forma  nenhuma. Mas... essa matéria realista é a matéria em que ele vai se efetuar. Ele  vai se efetuar em cima dessa matéria realista. Então, o cinema naturalista... -  ele se constitui em cima do realismo.(Tá?)
 Cl.: Que horas são, heim? 
 Al.: Dez para as nove. 
 Cl.: Vamos tomar um café? Para eu continuar a aula... Eu vou descansar um  pouquinho. 
 PARTE 2 
 (com a entrada de mais um grupo de alunos)
 Quem não ouviu a primeira parte da aula não tem a menor importância...  Tá?)
 Há um diretor de cinema, ainda vivo, excessivamente famoso, que é o  Kurosawa. (Acho que todo mundo conhece. Nem sei se a pronúncia é essa... Porque  eu não sei japonês... Eu falo dentro das minhas possibilidades brasileiras.)  
 Eu vou me referir a um filme do Kurosawa, que mesmo que vocês não tenham  visto, não tem problema - mas vai implicar que depois eu quero que vocês vejam.  É Os Sete Samurais... Provavelmente Os Sete Samurais e Rashomon seriam os dois  filmes mais famosos dele. 
 (Eu vou esperar mais três minutos, porque está entrando gente.)
 Eu vou começar a aula usando um conceito básico da filosofia do Deleuze.  Esse conceito chama-se REPETIÇÃO. O primeiro exemplo que eu dou do conceito de  repetição... 
 (É melhor eu segurar mais um pouco, tá faltando... tem muita gente lá  embaixo. Dá pra chamar?...) 
 (Ninguém precisa ficar preocupado, pensando se eu vou falar coisas  impossíveis de serem entendidas, não, viu?) - 
 Eu vou começar fazendo uma distinção uma distinção entre discurso  científico... Discurso quer dizer um conjunto de palavras; esse conjunto de  palavras pode ser escrito ou falado; isso é discurso. Então, existem diversos  tipos de discurso: o discurso do padre, que é o discurso religioso, o discurso  do camelô; o discurso científico, certo? Então, eu estou fazendo assim uma  espécie de cartografia dos discursos - e estou dizendo que existe um discurso  chamado discurso científico. E um discurso chamado discurso poético - por  exemplo: João Cabral de Melo Neto, Fernando Pessoa, Cassiano Ricardo... tanto  faz... discurso poético. E do lado de cá o discurso científico. No discurso  poético, eu vou colocar um atributo - é o discurso poético lírico, a lírica.  Porque a poesia pode ser épica, pode ser lírica (esse "troço" que está passando  lá embaixo parece um discurso lírico... - referindo-se à sirene de ambulância ou  carro de bombeiro, estridente...). Pode ser poética, pode ser épica, pode ser  lírica... Então, eu vou começar falando sobre a distinção entre o discurso  científico e o discurso... só que eu chamei de poesia lírica. Não é a poesia  épica, não é a parnasiana, não é a romântica, é a lírica... (Tá?) E esses dois  discursos têm uma diferença no sentido de que o discurso científico, quando você  o produz, (Se vocês não entenderem me avisem) ele traz uma permissibilidade que  é a troca das palavras. Por exemplo, vamos dizer: se num discurso  científico...você usou a palavra mar, mas quiser usar a palavra oceano, [em  substituição a ela] você pode usar. Ou seja, o discurso científico traz a  possibilidade da troca das palavras. As palavras podem ser trocadas, podem ser  mudadas; enquanto, no discurso lírico, as palavras não podem ser mudadas - só  podem ser repetidas. Quando você faz o discurso da lírica você vai encontrar  esse fenômeno chamado repetição das palavras e no discurso científico você vai  encontrar o fenômeno mudança, (tá?) 
 Por que no discurso científico há mudança e no lírico há repetição? Porque  a lírica se constitui pelo ritmo e o científico pelo significado. Então, o campo  do discurso científico é o campo do significado. O campo da lírica é o campo do  ritmo - e o ritmo é aquilo que pode ser repetido, jamais mudado. 
 Então, o discurso científico, onde se dá mudança de palavras ou troca de  palavras, (vocês estão entendendo?) mudança de palavras ou troca de palavras...  e quando se usa a expressão troca, o sinônimo da palavra troca é símbolo.  Símbolo quer dizer: aquilo que pode ser trocado. Então, o discurso científico...  é simbólico, porque ele pode ter troca de palavras; enquanto que na lírica só  pode haver repetição, porque a lírica se sustenta pelo ritmo. 
 Agora, atenção! O mundo realista... na literatura, mundo realista; no  cinema, imagem ação; na biologia, representação orgânica; realismo, na  literatura; imagem ação, no cinema; na biologia, representação orgânica. Esse  mundo realista é o mundo em que há mudança, onde tudo está permanentemente  mudando.
 Al.: Esse é o mundo que a ciência trabalha? 
 Cl.: É esse o mundo em que a ciência trabalha, claro! É o mundo da mudança.  
 Aula de 27/07/1995
 Imagem  Isabelle Adjani em cena do filme  La Reine  Margot
 

Nenhum comentário:
Postar um comentário