Um belo dia, não sei de que ano, uma linda fada, que chamareis como quiserdes, a poesia ou a imaginação, tomou-se de amores por um moço de talento, um tanto volúvel como de ordinário o são as fantasias ricas e brilhantes que se deleitam admirando o belo em todas as formas.
Ora,dizem que as fadas não podem sofrer a inconstância, no que lhes acho toda a razão; e por isso a fada de meu conto, temendo a rivalidade dos anjinhos cá deste mundo, onde os há tão belos, tomou as formas de uma pena, pena
de cisne, linda como os amores, e entregou-se ao seu amante de corpo e alma.
de cisne, linda como os amores, e entregou-se ao seu amante de corpo e alma.
Não serei eu que desvendarei os mistérios desses amores fantásticos, e vos contarei as horas deliciosas que corriam no silêncio do gabinete, mudas e sem palavras. Só vos direi e sito mesmo, é confidência, que, depois de muito sonho e de muita inspiração, a pena se lançava sobre o papel, deslizava docemente, brincava como uma fade que era, bordando as flores mais delicadas, destilando perfumes mais esquisitos que todos os perfumes do Oriente. As folhas se animavam ao seu contato, a poesia corria em ondas de ouro, donde saltavam chispas brilhantes de graça e espírito. Por fim, a desoras, quando já não havia mais papel, quando a luz a morrer apenas empalidecia as sombras da noite, a pena trêmula e vacilante caía sobre a mesa sem forças e sem vida, e soltava uns acentos doces, notas estremecidas como as cordas da harpa ferida pelo vento. Era o último beijo da fada que se despedia, o último canto do cisne moribundo.
Assim se passou muito tempo; mas já não há amores que durem sempre, principalmente em dias como os nossos, nos quais o símbolo de constância é uma borboleta. Acabou o poema fantástico no fim de dois anos; e um dia o herói do meu conto, chamado a estudos mais graves, lembrou-se de um amigo obscuro, e deu-lhe a sua pena de ouro. O outro aceitou-a como um depósito sagrado; sabia o que lhe esperava, mas era um sacrifício que devia à amizade, e por conseguinte prestou-se a carregar aquela pena, que já adivinhava havia de ser para ele como uma cruz pesada que levasse ao calvário.
Com efeito, a fada tinha sofrido uma mudança completa: quando a lançavam sobre a mesa, só fazia correr. Havia perdido as formas elegantes, os meneios feiticeiros, e deslizava rapidamente sobre o papel sem aquela graça e faceirice de outrora. Já não tinha flores nem perfumes, e nem centelhas de ouro e de poesia: eram letras, e unicamente letras, que nem sequer tinham o mérito de serem de praça, que serviria de consolo ao espírito mais prosaico.Por fim de contas, o outro, depois de riscar muito
papel e de rasgar muito original, convenceu-se que, a escrever alguma coisa com aquela fada que o aborrecia, não podia ser de outra maneira senão Ao correr da pena.
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