Os dez equívocos do teatro  infantil 
Dib Carneiro Neto 
Leia a lista dos vícios mais freqüentes  presentes em peças dirigidas a crianças e adolescentes 
São Paulo - Há um  festival de equívocos nos palcos do teatro infantil e isso faz aumentar o  preconceito dos adultos com relação a esse tipo de arte. O oportunismo chega ao  ponto de se criar a seguinte situação: quando uma peça é boa e recebe elogios  nos jornais, outros 
grupos montam textos com títulos parecidos ao do  espetáculo elogiado, para criar a confusão de nomes e conseguir atrair o público  mais desavisado. 
A seguir, uma lista dos defeitos mais comuns.  
1) Excesso de intenções didáticas - Não é preciso ser explícito, criança  é capaz de entender sugestões, simbologias. Arte é feita de alegorias, de  metáforas. Estranheza é saudável. Criança tem capacidade de interpretar o que  vê. 
2) Uso de humor fácil e  grosseiro - Muitos autores lançam mão de bordões televisivos para fazer a  platéia rir ("da hora", "fala sério", "faz parte"). Isso cria no autor um falso  retorno de aprovação do humor da peça. Essa facilidade de recorrer a bordões  chulos e vazios da TV é um recurso pobre, que só escancara a incapacidade do  autor de criar situações engraçadas por elas mesmas. 
3) Excesso de  efeitos multimídias - Muitos autores ficaram com idéia de que, para atingir o  jovem no teatro, basta levar para o palco os recursos tecnológicos a que esse  jovem está acostumado a lidar, ou 
seja, a linguagem de videoclipe, a rapidez  da internet, as cenas pré- gravadas em vídeo e exibidas em telões em cima do  palco. Mesclar linguagens artísticas diferenciadas é uma atitude até coerente  com o 
universo adolescente. Mas abusar disso é lamentável e afasta os  autores das especificidades da carpintaria dramatúrgica. 
4) A obsessão  pela lição de moral - Teatro infantil não tem a obrigação de encerrar em si uma  bela lição construtiva. Em vez do dedo em riste e da lição de moral, vale mais a  pena, e é até mais honesto, tentar contar livremente uma história e deixar que a  
criança se identifique, que a criança a vivencie por si mesma. Não é  necessário invadir o imaginário da criança com regras de conduta. 
5)  Edulcoração dos contos de fadas - Os contos de fadas nasceram muito mais  realistas, muito mais cruéis do que eles são hoje. Hollywood e os estúdios de  Walt Disney transformaram tudo em final feliz, valorizando excessivamente o  triunfo do amor e da bondade. 
Reduziram o poder transformador de um conto de  fadas, minando neles a capacidade de fazer uma criança amadurecer. Um conto de  fadas 
oferece significados em muitos níveis diferentes e enriquece a  existência da 
criança em muitos modos. 
6) Participação forçada da  platéia - Até hoje, muitos autores de teatro infantil reproduzem aquela velha  cena em que um personagem se esconde do outro e quem procura se dirige à platéia  com a infalível pergunta: "Pra onde ele foi?" A garotada e até os pais entram no  
jogo e lá se vão uns dez minutos de "Foi pra lá", "Não, foi por ali",  "Agora, está aqui" e assim por diante. O autor fica feliz porque acha que  conseguiu promover uma interação do espetáculo com o público. Quem foi que disse  que, para estar interagindo com o 
espetáculo, uma criança tem de berrar,  sapatear, gritar? O profundo silêncio de uma platéia, muitas vezes, é a maior  prova da interação, da comunicação com o espetáculo.  
7) Obsessão  pela segmentação - Existe hoje uma tendência mercadológica castrante e  limitadora, que segue distribuindo rótulos em profusão às manifestações  artísticas, enquadrando tudo em faixas etárias, dividindo o mundo em categorias  fechadas, acomodando a arte 
em gêneros estabelecidos. Teatro infantil é,  antes de tudo, teatro. E como tal, no máximo, pode ser classificado por sua boa  ou má qualidade. 
8) Uso abusivo e despreparado da linguagem dos clowns -  Proliferam pelos palcos montagens em que os autores encaixam uma bola vermelha  na ponta do nariz e acham que isso, por si só, já faz um espetáculo 
teatral.  A linguagem do clown é difícil, especializada, deve ser trabalhada com rigor,  com muito critério e criatividade. As crianças são submetidas no palco a típicos  shows de palhaços de festinhas de 
aniversário e os pais saem achando que  levaram o filho ao teatro infantil. Isso também vale para os espetáculos de  bonecos. Não bastar comprar fantoches no loja da esquina e montar um espetáculo.  
Artistas estudam anos e anos para entender da arte de manipulação de  bonecos. 
9) Diálogos mal escritos e ineficientes - Dramaturgia é antes  de tudo literatura e, por isso, deve ter todos os compromissos com a  profundidade e a criatividade da literatura, sem perder o pé da 
oralidade. O  discurso teatral é uma expressão artística que tem de ser encarada com  responsabilidade, porque o texto dramático tem a capacidade específica de  reproduzir as falas sociais, as aspirações, 
os sonhos e as esperanças. Peça  infantil com diálogos descuidados, frases mal construídas, idéias truncadas, é  um mau teatro. 
10) Mercantilização do espetáculo teatral - Há quem não  seja tão rigoroso com relação a esse aspecto, mas realizar sorteios de produtos  no final dos espetáculos é um desvirtuamento da função do teatro, é um  mercantilismo desnecessário. A criança tem de levantar 
da poltrona  concentrada no que viu, na arte que desfilou pelo palco o tempo todo e não  preocupada se o número de sua poltrona vai ser o número sorteado para ganhar os  brindes. Teatro não é programa de auditório. 
Dib Carneiro Neto  
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário