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In the middle of this century we turned to each other
with half faces and full eyes
like an ancient Egyptian picture
and for a short while.

I stroked your hair
in the opposite direction to your journey.
We called to each other,
likes calling out the names of towns
where nobody stops 
along the route.

Lovely is the world rising early to evil,
lovely is the world falling asleep to sin and pity,
in the mingling of ourselves, you and I,
lovely is the world.

The earth drinks men and their loves
like wine,
to forget.
It can't.
And like the contours of the Judean Hills,
we should never find peace.

In the middle of this century we turned to each other,
I saw your body, throwing shade, waiting for me,
the leather straps for a long journey
already tightening across my chest.
I spoke in praise of your mortal hips,
you spoke in praise of my passing face.

I stroked your hair in the direction of your journey,
I touched your flesh, prophet of your end,
I touched your hand, which has never slept,
I touched your mouth, which may yet sing.

Dust from the desert covered the table
at which we did not eat.
But with my finger I wrote on it
the letters of your name.
Yehuda Amichai (Israeli)

Ausencia

Habré de levantar la vasta vida

que aún ahora es tu espejo:

cada mañana habré de reconstruirla.

Desde que te alejaste,

cuántos lugares se han tornado vanos

y sin sentido, iguales

a luces en el día.

Tardes que fueron nicho de tu imagen,

músicas en que siempre me aguardabas,

palabras de aquel tiempo,

yo tendré que quebrarlas con mis manos.

¿En qué hondonada esconderé mi alma

para que no vea tu ausencia

que como un sol terrible, sin ocaso,

brilla definitiva y despiadada?

Tu ausencia me rodea

como la cuerda a la garganta,

el mar al que se hunde.

JORGE LUIS BORGES

barthes

‎"Como termina um amor? - O quê? Termina? Em suma ninguém - exceto os outros - nunca sabe disso; uma espécie de inocência mascara o fim dessa coisa concebida, afirmada, vivida como se fosse eterna. O que quer que se torne objeto amado, quer ele desapareça ou passe à região da Amizade, de qualquer maneira, eu não o vejo nem mesmo se dissipar: o amor que termina se afasta para um outro mundo como uma nave espacial que deixa de piscar: o ser amado ressoava como um clamor, de repente ei-lo sem brilho (o outro nunca desaparece quando e como se esperava). Esse fenômeno resulta de uma imposição do discurso amoroso: eu mesmo (sujeito enamorado) não posso construir até o fim de minha história de amor: sou o poeta (o recitante apenas do começo); o final dessa história, assim como a minha própria morte, pertence aos outros; eles que escrevam romance, narrativa exterior, mítica." ROLAND BARTHES, Fragmentos de um discurso amoroso

L´ínfinito

Sempre caro mi fu quest'ermo colle,
e questa siepe, che da tanta parte
dell'ultimo orizzonte il guardo esclude.
Ma sedendo e mirando, interminati
spazi di là da quella, e sovrumani
silenzi, e profondissima quïete
io nel pensier mi fingo, ove per poco
il cor non si spaura. E come il vento
odo stormir tra queste piante, io quello
infinito silenzio a questa voce
vo comparando: e mi sovvien l'eterno,
e le morte stagioni, e la presente
e viva, e il suon di lei. Così tra questa
immensità s'annega il pensier mio:
e il naufragar m'è dolce in questo mare»
      (Giacomo Leopardi)

ANAIS NINN

"Life shrinks or expands in proportion to one's courage."

"Love never dies a natural death. It dies because we don't know how to
replenish its source. It dies of blindness and errors and betrayals. It dies
of illness and wounds; it dies of weariness, of withering, of tarnishing."

"We don't see things as they are, we see them as we are."
"If what Proust says is true, that happiness is the absence of fever, then I
will never know happiness. For I am possessed by a fever for knowledge,
experience, and creation."

"For me, the adventures of the mind, each inflection of thought, each
movement, nuance, growth, discovery, is a source of exhilaration."

"It takes courage to push yourself to places that you have never been
before, to test your limits, to break through barriers. And the day came
when the risk it took to remain tight inside the bud was more painful than
the risk it took to blossom."

"How wrong is it for a woman to expect man to build the world she wants,
rather than set out to create it herself."

"Creation which cannot express itself becomes madness."
"Shame is the lie someone told you about yourself."

"Eroticism is one of the basic means of self-knowledge, as indispensable as
poetry."

"Life is a process of becoming, a combination of states we have to go
through. Where people fail is that they wish to elect a state and remain in
it. This is a kind of death."

"The only abnormality is the incapacity to love."

"I postpone death by living, by suffering, by error, by risking, by giving,
by losing."

"Each friend represents a world in us, a world not possibly born until they
arrive, and it is only by this meeting that a new world is born."

"I am an excitable person who only understands life lyrically, musically, in
whom feelings are much stronger as reason. I am so thirsty for the marvelous
that only the marvelous has power over me. Anything I cannot transform into
something marvelous, I let go. Reality doesn't impress me. I only believe in
intoxication, in ecstasy, and when ordinary life shackles me, I escape, one
way or another. No more walls."

"We don't have a language for the senses. Feelings are images, sensations
are like musical sounds."

"The body is an instrument which only gives off music when it is used as a
body. Always an orchestra, and just as music traverses walls, so sensuality
traverses the body and reaches up to ecstasy."

"Something is always born of excess: great art was born of great terror,
great loneliness, great inhibitions, instabilities, and it always balances
them."

"Dreams are necessary to life."

"Each contact with a human being is so rare, so precious, one should
preserve it."

"The dream was always running ahead of me. To catch up, to live for a moment
with it, that was the miracle."

"Love is the axis and breath of my life."

"The role of a writer is not to say what we all can say, but what we are
unable to say."

"The possession of knowledge does not kill the sense of wonder and mystery.
There is always more mystery"

JAMES JOYCE - ULISSES

FELIZ BLOOMSDAY PRA VOCÊS!    "If he had smiled why would he have smiled?
To reflect that each one who enters imagines himself to be the first to
enter whereas he is always the last term of a preceding series even if
the first term of a succeeding one, each imagining himself to be first,
last, only and alone whereas he is neither first nor last nor only nor
alone in a series originating in and repeated to infinity."

saudade

 Emoções indefiníveis me agitam — inquietação terrível, desejo de tagarelar novamente com Madalena, como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? Não, não é isto: é antes desespero, raiva, um peso enorme no coração.
GRACILIANO RAMOS, SÃO BERNARDO

Difícil ser funcionário - JOÃO CABRAL DE MELLO NETO

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras -
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.

em 29-09-1943

POEMA INÉDITO extraído dos "Cadernos de Literatura Brasileira", nº. 01,
publicado pelo Instituto Moreira Salles em Março de 1996, pág.60.

Atraente - Composição: Chiquinha Gonzaga

Atraente
Chiguinha Gonzaga
Rebola bola e atraente vai
Esmigalhando os corações com o pé
E no seu passo apressadinho, tão miúdo, atrevidinho
Vai sujando o meu caminho, desfolhando o mau me quer

Se bem que quer, seja se quer ou não
Bem reticente, ela só faz calar
Ela é tão falsa e renitente, que até,
Atrai só o seu pensar

Como é danada
perigosa
vaidosa
desastrosa
escandalosa
rancorosa
e rancorosa
incestuosa
e tão nervosa
e bota tudo em polvorosa, quando chega belicosa
bota tudo pra perder

Amour, amour
Tu jure amour, trè bien
Mas joga fora esta conversa vã
Não vem jogar fa-flu no meu maracanã
não sou Juju balangandã

Meu coração, porém, diz que não vai
Suportar esta maldita, inenarrável solidão
Se assim for, ele vai se esbudegar
E te ver se despinguelar numa desilusão

Florbela Espanca, Carta no. 147

?"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim
uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo,
pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma
intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que
tem saudades...sei lá de quê!"

Tudo certo como Dois e dois são cinco...





COMO DOIS E DOIS
(Caetano Veloso)

Quando você
Me ouvir cantar
Venha não creia
Eu não corro perigo
Digo, não digo, não ligo
Deixo no ar
Eu sigo apenas
Porque eu gosto de cantar...

Tudo vai mal, tudo
Tudo é igual
Quando eu canto
E sou mudo
Mas eu não minto
Não minto
Estou longe e perto
Sinto alegrias
Tristezas e brinco...

Meu amor!
Tudo em volta está deserto
Tudo certo
Tudo certo como
Dois e dois são cinco...

Quando você
Me ouvir chorar
Tente não cante
Não conte comigo
Falo, não calo, não falo
Deixo sangrar
Algumas lágrimas bastam
Prá consolar...

Tudo vai mal
Tudo, tudo, tudo, tudo
Tudo mudou
Não me iludo e contudo
A mesma porta sem trinco
Mesmo teto, mesmo teto
E a mesma lua a furar
Nosso zinco...

Meu amor!
Tudo em volta está deserto
Tudo certo
Tudo certo como
Dois e dois são cinco
Meu amor! Meu amor! Meu amor!
Tudo em volta está deserto
Tudo certo
Tudo certo como
Dois e dois são cinco...

"Bem-aventurados os que possuem, porque eles serão consolados."

O ENFERMEIRO

Machado de Assis

PARECE-LHE ENTÃO que o que se deu comigo em 1860, pode entrar numa página de livro? Vá que seja, com a condição única de que não há de divulgar nada antes da minha morte. Não esperará muito, pode ser que oito dias, se não for menos; estou desenganado.

Olhe, eu podia mesmo contar-lhe a minha vida inteira, em que há outras cousas interessantes, mas para isso era preciso tempo, ânimo e papel, e eu só tenho papel; o ânimo é frouxo, e o tempo assemelha-se à lamparina de madrugada. Não tarda o sol do outro dia, um sol dos diabos, impenetrável como a vida. Adeus, meu caro senhor, leia isto e queira-me bem; perdoe-me o que lhe parecer mau, e não maltrate muito a arruda, se lhe não cheira a rosas. Pediu-me um documento humano, ei-lo aqui. Não me peça também o império do Grão-Mogol, nem a fotografia dos Macabeus; peça, porém, os meus sapatos de defunto e não os dou a ninguém mais.

Já sabe que foi em 1860. No ano anterior, ali pelo mês de agosto, tendo eu quarenta e dois anos, fiz-me teólogo, — quero dizer, copiava os estudos de teologia de um padre de Niterói, antigo companheiro de colégio, que assim me dava, delicadamente, casa, cama e mesa. Naquele mês de agosto de 1859, recebeu ele uma carta de um vigário de certa vila do interior, perguntando se conhecia pessoa entendida, discreta e paciente, que quisesse ir servir de enfermeiro ao coronel

Felisberto, mediante um bom ordenado. O padre falou-me, aceitei com ambas as mãos, estava já enfarado de copiar citações latinas e fórmulas eclesiásticas. Vim à Corte despedir-me de um irmão, e segui para a vila.

Chegando à vila, tive más notícias do coronel. Era homem insuportável, estúrdio, exigente, ninguém o aturava, nem os próprios amigos. Gastava mais enfermeiros que remédios. A dous deles quebrou a cara. Respondi que não tinha medo de gente sã, menos ainda de doentes; e depois de entender-me com o vigário, que me confirmou as notícias recebidas, e me recomendou mansidão e caridade, segui para a residência do coronel.

Achei-o na varanda da casa estirado numa cadeira, bufando muito. Não me recebeu mal. Começou por não dizer nada; pôs em mim dous olhos de gato que observa; depois, uma espécie de riso maligno alumiou-lhe as feições, que eram duras. Afinal, disse-me que nenhum dos enfermeiros que tivera, prestava para nada, dormiam muito, eram respondões e andavam ao faro das escravas; dous eram até gatunos!

— Você é gatuno?

— Não, senhor.

Em seguida, perguntou-me pelo nome: disse-lho e ele fez um gesto de espanto. Colombo? Não, senhor: Procópio José Gomes Valongo. Valongo? achou que não era nome de gente, e propôs chamar-me tão-somente Procópio, ao que respondi que estaria pelo que fosse de seu agrado. Conto-lhe esta particularidade, não só porque me parece pintá-lo bem, como porque a minha resposta deu de mim a melhor idéia ao coronel. Ele mesmo o declarou ao vigário, acrescentando que eu era o mais simpático dos enfermeiros que tivera. A verdade é que vivemos uma lua-de-mel de sete dias.

No oitavo dia, entrei na vida dos meus predecessores, uma vida de cão, não dormir, não pensar em mais nada, recolher injúrias, e, às vezes, rir delas, com um ar de resignação e conformidade; reparei que era um modo de lhe fazer corte. Tudo impertinências de moléstia e do temperamento. A moléstia era um rosário delas, padecia de aneurisma, de reumatismo e de três ou quatro afecções menores. Tinha perto de sessenta anos, e desde os cinco toda a gente lhe fazia a vontade. Se fosse só

rabugento, vá; mas ele era também mau, deleitava-se com a dor e a humilhação dos outros. No fim de três meses estava farto de o aturar; determinei vir embora; só esperei ocasião.

Não tardou a ocasião. Um dia, como lhe não desse a tempo uma fomentação, pegou da bengala e atirou-me dous ou três golpes. Não era preciso mais; despedi-me imediatamente, e fui aprontar a mala. Ele foi ter comigo, ao quarto, pediu-me que ficasse, que não valia a pena zangar por uma rabugice de velho. Instou tanto que fiquei.

— Estou na dependura, Procópio, dizia-me ele à noite; não posso viver muito tempo. Estou aqui, estou na cova. Você há de ir ao meu enterro, Procópio; não o dispenso por nada. Há de ir, há de rezar ao pé da minha sepultura. Se não for, acrescentou rindo, eu voltarei de noite para lhe puxar as pernas. Você crê em almas de outro mundo, Procópio?

— Qual o quê!

— E por que é que não há de crer, seu burro? redargüiu vivamente, arregalando os olhos.

Eram assim as pazes; imagine a guerra. Coibiu-se das bengaladas; mas as injúrias ficaram as mesmas, se não piores. Eu, com o tempo, fui calejando, e não dava mais por nada; era burro, camelo, pedaço d'asno, idiota, moleirão, era tudo. Nem, ao menos, havia mais gente que recolhesse uma parte desses nomes. Não tinha parentes; tinha um sobrinho que morreu tísico, em fins de maio ou princípios de julho, em Minas. Os amigos iam por lá às vezes aprová-lo, aplaudi-lo, e nada mais; cinco, dez

minutos de visita. Restava eu; era eu sozinho para um dicionário inteiro. Mais de uma vez resolvi sair; mas, instado pelo vigário, ia ficando.

Não só as relações foram-se tornando melindrosas, mas eu estava ansioso por tornar à Corte. Aos quarenta e dois anos não é que havia de acostumar-me à reclusão constante, ao pé de um doente bravio, no interior. Para avaliar o meu isolamento, basta saber que eu nem lia os jornais; salvo alguma notícia mais importante que levavam ao coronel, eu nada sabia do resto do mundo. Entendi, portanto, voltar para a Corte, na primeira ocasião, ainda que tivesse de brigar com o vigário. Bom é dizer

(visto que faço uma confissão geral) que, nada gastando e tendo guardado integralmente os ordenados, estava ansioso por vir dissipá-los aqui.

Era provável que a ocasião aparecesse. O coronel estava pior, fez testamento, descompondo o tabelião, quase tanto como a mim. O trato era mais duro, os breves lapsos de sossego e brandura faziam-se raros. Já por esse tempo tinha eu perdido a escassa dose de piedade que me fazia esquecer os excessos do doente; trazia dentro de mim um fermento de ódio e aversão. No princípio de agosto resolvi definitivamente sair; o vigário e o médico, aceitando as razões, pediram-me que ficasse algum tempo mais. Concedi-lhes um mês; no fim de um mês viria embora, qualquer que fosse o estado do doente. O vigário tratou de procurar-me substituto.

Vai ver o que aconteceu. Na noite de vinte e quatro de agosto, o coronel teve um acesso de raiva, atropelou-me, disse-me muito nome cru, ameaçou-me de um tiro, e acabou atirando-me um prato de mingau, que achou frio, o prato foi cair na parede onde se fez em pedaços.

— Hás de pagá-lo, ladrão! bradou ele.

Resmungou ainda muito tempo. Às onze horas passou pelo sono. Enquanto ele dormia, saquei um livro do bolso, um velho romance de d'Arlincourt, traduzido, que lá achei, e pus-me a lê-lo, no mesmo quarto, a pequena distância da cama; tinha de acordá-lo à meia-noite para lhe dar o remédio. Ou fosse de cansaço, ou do livro, antes de chegar ao fim da segunda página adormeci também. Acordei aos gritos do coronel, e levantei-me estremunhado. Ele, que parecia delirar, continuou nos

mesmos gritos, e acabou por lançar mão da moringa e arremessá-la contra mim. Não tive tempo de desviar-me; a moringa bateu-me na face esquerda, e tal foi a dor que não vi mais nada; atirei-me ao doente, pus-lhe as mãos ao pescoço, lutamos, e esganei-o.

Quando percebi que o doente expirava, recuei aterrado, e dei um grito; mas ninguém me ouviu. Voltei à cama, agitei-o para chamá-lo à vida, era tarde; arrebentara o aneurisma, e o coronel morreu. Passei à sala contígua, e durante duas horas não ousei voltar ao quarto. Não posso mesmo dizer tudo o que passei, durante esse tempo. Era um atordoamento, um delírio vago e estúpido. Parecia-me que as paredes tinham vultos; escutava umas vozes surdas. Os gritos da vítima, antes da luta e durante a luta, continuavam a repercutir dentro de mim, e o ar, para onde quer que me voltasse, aparecia recortado de convulsões. Não creia que esteja fazendo imagens nem estilo; digo-lhe que eu ouvia distintamente umas vozes que me bradavam: assassino! assassino!

Tudo o mais estava calado. O mesmo som do relógio, lento, igual e seco, sublinhava o silêncio e a solidão. Colava a orelha à porta do quarto na esperança de ouvir um gemido, uma palavra, uma injúria, qualquer coisa que significasse a vida, e me restituísse a paz à consciência. Estaria pronto a apanhar das mãos do coronel, dez, vinte, cem vezes. Mas nada, nada; tudo calado. Voltava a andar à toa na sala, sentava-me, punha as mãos na cabeça; arrependia-me de ter vindo. — "Maldita a hora

em que aceitei semelhante coisa!" exclamava. E descompunha o padre de Niterói, o médico, o vigário, os que me arranjaram um lugar, e os que me pediram para ficar mais algum tempo. Agarrava-me à cumplicidade dos outros homens.

Como o silêncio acabasse por aterrar-me, abri uma das janelas, para escutar o som do vento, se ventasse. Não ventava. A noite ia tranqüila, as estrelas fulguravam, com a indiferença de pessoas que tiram o chapéu a um enterro que passa, e continuam a falar de outra coisa. Encostei-me ali por algum tempo, fitando a noite, deixando-me ir a uma recapitulação da vida, a ver se descansava da dor presente. Só então posso dizer que pensei claramente no castigo. Achei-me com um crime às costas e vi a punição certa. Aqui o temor complicou o remorso. Senti que os cabelos me ficavam de pé. Minutos depois, vi três ou quatro vultos de pessoas, no terreiro espiando, com um ar de emboscada; recuei, os vultos esvaíram-se no ar; era uma alucinação.

Antes do alvorecer curei a contusão da face. Só então ousei voltar ao quarto. Recuei duas vezes, mas era preciso e entrei; ainda assim, não cheguei logo à cama. Tremiam-me as pernas, o coração batia-me; cheguei a pensar na fuga; mas era confessar o crime, e, ao contrário, urgia fazer desaparecer os vestígios dele. Fui até a cama; vi o cadáver, com os olhos arregalados e a boca aberta, como deixando passar a eterna palavra dos séculos: "Caim, que fizeste de teu irmão?" Vi no

pescoço o sinal das minhas unhas; abotoei alto a camisa e cheguei ao queixo a ponta do lençol. Em seguida, chamei um escravo, disse-lhe que o coronel amanhecera morto; mandei recado ao vigário e ao médico.

A primeira idéia foi retirar-me logo cedo, a pretexto de ter meu irmão doente, e, na verdade, recebera carta dele, alguns dias antes, dizendo-me que se sentia mal. Mas adverti que a retirada imediata poderia fazer despertar suspeitas, e fiquei. Eu mesmo amortalhei o cadáver, com o auxílio de um preto velho e míope. Não saí da sala mortuária; tinha medo de que descobrissem alguma cousa. Queria ver no rosto dos outros se desconfiavam; mas não ousava fitar ninguém. Tudo me dava

impaciências: os passos de ladrão com que entravam na sala, os cochichos, as cerimônias e as rezas do vigário. Vindo a hora, fechei o caixão, com as mãos trêmulas, tão trêmulas que uma pessoa, que reparou nelas, disse a outra com piedade:

— Coitado do Procópio! apesar do que padeceu, está muito sentido.

Pareceu-me ironia; estava ansioso por ver tudo acabado. Saímos à rua. A passagem da meia escuridão da casa para a claridade da rua deu-me grande abalo; receei que fosse então impossível ocultar o crime. Meti os olhos no chão, e fui andando. Quando tudo acabou, respirei. Estava em paz com os homens. Não o estava com a consciência, e as primeiras noites foram naturalmente de desassossego e aflição. Não é preciso dizer que vim logo para o Rio de Janeiro, nem que vivi aqui aterrado, embora longe do crime; não ria, falava pouco, mal comia, tinha alucinações, pesadelos...

— Deixa lá o outro que morreu, diziam-me. Não é caso para tanta melancolia.

E eu aproveitava a ilusão, fazendo muitos elogios ao morto, chamando-lhe boa criatura, impertinente, é verdade, mas um coração de ouro. E elogiando, convencia-me também, ao menos por alguns instantes. Outro fenômeno interessante, e que talvez lhe possa aproveitar, é que, não sendo religioso, mandei dizer uma missa pelo eterno descanso do coronel, na igreja do Sacramento. Não fiz convites, não disse nada a ninguém; fui ouvi-la, sozinho, e estive de joelhos todo o tempo, persignando-me a miúdo. Dobrei a espórtula do padre, e distribuí esmolas à porta, tudo por intenção do finado. Não queria embair os homens; a prova é que fui só. Para completar este ponto, acrescentarei que nunca aludia ao coronel, que não dissesse: "Deus lhe fale n'alma!" E contava dele algumas anedotas alegres, rompantes engraçados...

Sete dias depois de chegar ao Rio de Janeiro, recebi a carta do vigário, que lhe mostrei, dizendo-me que fora achado o testamento do coronel, e que eu era o herdeiro universal. Imagine o meu pasmo. Pareceu-me que lia mal, fui a meu irmão, fui aos amigos; todos leram a mesma cousa. Estava escrito; era eu o herdeiro universal do coronel. Cheguei a supor que fosse uma cilada; mas adverti logo que havia outros meios de capturar-me, se o crime estivesse descoberto. Demais, eu conhecia a

probidade do vigário, que não se prestaria a ser instrumento. Reli a carta, cinco, dez, muitas vezes; lá estava a notícia.

— Quanto tinha ele? perguntava-me meu irmão.

— Não sei, mas era rico.

— Realmente, provou que era teu amigo.

— Era... Era...

Assim por uma ironia da sorte, os bens do coronel vinham parar às minhas mãos. Cogitei em recusar a herança. Parecia-me odioso receber um vintém do tal espólio; era pior do que fazer-me esbirro alugado. Pensei nisso três dias, e esbarrava sempre na consideração de que a recusa podia fazer desconfiar alguma cousa. No fim dos três dias, assentei num meio-termo; receberia a herança e dá-la-ia toda, aos bocados e às escondidas. Não era só escrúpulo; era também o modo de resgatar

o crime por um ato de virtude; pareceu-me que ficava assim de contas saldas.

Preparei-me e segui para a vila. Em caminho, à proporção que me ia aproximando, recordava o triste sucesso; as cercanias da vila tinham um aspecto de tragédia, e a sombra do coronel parecia-me surgir de cada lado. A imaginação ia reproduzindo as palavras, os gestos, toda a noite horrenda do crime...

Crime ou luta? Realmente, foi uma luta, em que eu, atacado, defendi-me, e na defesa... Foi uma luta desgraçada, uma fatalidade. Fixei-me nessa idéia. E balanceava os agravos, punha no ativo as pancadas, as injúrias... Não era culpa do coronel, bem o sabia, era da moléstia, que o tornava assim rabugento e até mau... Mas eu perdoava tudo, tudo... O pior foi a fatalidade daquela noite... Considerei também que o coronel não podia viver muito mais; estava por pouco; ele mesmo o sentia e dizia. Viveria quanto? Duas semanas, ou uma; pode ser até que menos. Já não era vida, era um molambo de vida, se isto mesmo se podia chamar ao padecer contínuo do pobre homem... E quem sabe mesmo se a luta e a morte não foram apenas coincidentes? Podia ser, era até o mais provável; não foi outra cousa. Fixei-me também nessa idéia...

Perto da vila apertou-se-me o coração, e quis recuar; mas dominei-me e fui. Receberam-me com parabéns. O vigário disse-me as disposições do testamento, os legados pios, e de caminho ia louvando a mansidão cristã e o zelo com que eu servira ao coronel, que, apesar de áspero e duro, soube ser grato.

— Sem dúvida, dizia eu olhando para outra parte.

Estava atordoado. Toda a gente me elogiava a dedicação e a paciência. As primeiras necessidades do inventário detiveram-me algum tempo na vila. Constituí advogado; as cousas correram placidamente. Durante esse tempo, falava muita vez do coronel. Vinham contar-me cousas dele, mas sem a moderação do padre; eu defendia-o, apontava algumas virtudes, era austero...

— Qual austero! Já morreu, acabou; mas era o diabo.

E referiam-me casos duros, ações perversas, algumas extraordinárias. Quer que lhe diga? Eu, a princípio, ia ouvindo cheio de curiosidade; depois, entrou-me no coração um singular prazer, que eu sinceramente buscava expelir. E defendia o coronel, explicava-o, atribuía alguma coisa às rivalidades locais; confessava, sim, que era um pouco violento... Um pouco? Era uma cobra assanhada, interrompia-me o barbeiro; e todos, o coletor, o boticário, o escrivão, todos diziam a mesma coisa; e

vinham outras anedotas, vinha toda a vida do defunto. Os velhos lembravam-se das crueldades dele, em menino. E o prazer íntimo, calado, insidioso, crescia dentro de mim, espécie de tênia moral, que por mais que a arrancasse aos pedaços recompunha-se logo e ia ficando.

As obrigações do inventário distraíram-me; e por outro lado a opinião da vila era tão contrária ao coronel, que a vista dos lugares foi perdendo para mim a feição tenebrosa que a princípio achei neles. Entrando na posse da herança, converti-a em títulos e dinheiro. Eram então passados muitos meses, e a idéia de distribuí-la toda em esmolas e donativos pios não me dominou como da primeira vez; achei mesmo que era afetação. Restringi o plano primitivo: distribuí alguma cousa aos pobres, dei à matriz da vila uns paramentos novos, fiz uma esmola à Santa Casa da Misericórdia, etc.: ao todo trinta e dous contos. Mandei também levantar um túmulo ao coronel, todo de mármore, obra de um napolitano, que aqui esteve até 1866, e foi morrer, creio eu, no Paraguai.

Os anos foram andando, a memória tornou-se cinzenta e desmaiada. Penso às vezes no coronel, mas sem os terrores dos primeiros dias. Todos os médicos a quem contei as moléstias dele, foram acordes em que a morte era certa, e só se admiravam de ter resistido tanto tempo. Pode ser que eu, involuntariamente, exagerasse a descrição que então lhes fiz; mas a verdade é que ele devia morrer, ainda que não fosse aquela fatalidade...

Adeus, meu caro senhor. Se achar que esses apontamentos valem alguma coisa, pague-me também com um túmulo de mármore, ao qual dará por epitáfio esta emenda que faço aqui ao divino sermão da montanha: "Bem-aventurados os que possuem, porque eles serão consolados."

Obra Completa, de Machado de Assis, vol. II,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994

FARNOOSH FATHI

A Tiger is Getting Married
   
(Korean idiom used to describe simultaneously sunny and rainy weather)

Some were invited; you are
to imagine:

a tiger's wedding—which it was,
you were involved—

is the rain alone and sun,
alone to be imagined.

Alone as pure. Rain, the veil
to a round glowing face

and all the attending faces below.
Oh the streaming,

every color a lace before the eyes.
Carry that train!

But it slips between the fingers,
diamonds.

No groom in sight,
which reminds me the clouds

kindly fled. To not go blind,
so close at the kiss,

there was no kiss at the tiger's wedding,
(some were diamonds,

others pelted)
which is the rain alone and sun.

No one cried, no one forgotten,
imagine that—

a tiger's wedding involving the whole,

stripped and pure,

and you, a singular absence.

Only water flashes against the sun's eyes like a veil.

 

 

 

 

 

Um Tigre Vai Se Casar
   
(Expressão em coreano usada para descrever o tempo ensolarado e chuvoso*)

Alguns foram convidados; você a
imaginar:

um casamento de tigre—que era,
você estava envolvida—

é só a chuva e o sol,
só para ser imaginada.

Tão só como pura. Chuva, o véu
para uma face radiante e redonda

e todas as faces presentes embaixo.
Oh a correnteza,

cada cor uma renda diante dos olhos.
Carregue aquele trem!

Mas ele escorrega entre os dedos,
diamantes.

Nenhum noivo em vista,
o que me lembra das nuvens

amavelmente em fuga. Não cegar,
tão perto do beijo,

não houve beijo no casamento do tigre,
(alguns eram diamantes,

outros bombardearam)
que é só a chuva e o sol.

Ninguém gritou, ninguém esqueceu,
imagine aquilo—

um casamento de tigre envolvendo o todo,

despojado e puro,

e você, uma ausência singular.

Apenas lampejos de água contra os olhos do sol como um véu.

 

* O mesmo que "casamento da viúva" no Brasil

NÃO SEI DANÇAR | manuel bandeira

petrópolis, 1925

Uns tomam éter, outros cocaína.

Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.

Tenho todos os motivos menos um de ser triste.

Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...

Abaixo Amiel!

Eu nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.

Sim, já perdi pai, mãe, irmãos.

Perdi a saúde também.

É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band.

Uns tomam éter, outros cocaína.

Eu tomo alegria!

Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda.

Mistura muito excelente de chás...

________________________Esta foi açafata...

- Não, foi arrumadeira.

E está dançando com o ex-prefeito municipal:

tão Brasil!

De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil...

Há até a fração incipiente amarela

na figura de um japonês.

O japonês também dança maxixe:

acugelê banzai!

A filha do usineiro de Campos

olha com repugnância

para a crioula imoral,

no entanto o que faz a indecência da outra

é dengue nos olhos maravilhosos da moça.

E aquele cair de ombros...

Mas ela não sabe...

Tão Brasil!

Ninguém se lembra de política...

Nem dos oito mil quilômetros de costa...

O algodão do Seridó é o melhor do mundo?... Que me importa?

Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos.

A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca.

Eu tomo alegria!

**Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (Recife, 19 de abril de 1886 - Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1968)

 "O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço." parágrafo final do livro "As cidades invisíveis" de Italo Calvino:

"É como uma doença, o desejo de ver alguém, o anseio profundo e forte. E você acabou de vê-lo, e vê-lo amanhã não vai satisfazer, e a mesma doença, como uma fome, chegará até você, mais forte a cada vez que você o vê. Não, eu não expliquei isso. Eu estava trabalhando hoje, escrevendo. Minha cabeça estava ocupada: minha mente estava repleta do trabalho. Ainda assim, todo o tempo, eu estava ciente de uma dor - corrosiva – como se um pedaço de mim tivesse sido arrancado. E a mente não pudesse fazer nada sobre isso. Era físico: estava nas veias, no sangue, na pele. Eis por que as relações humanas são tão perigosas - porque a mente não tem poder sobre elas. Estou diabolicamente só. O que eu precisava era de alguém que pudesse me dar o que eu dou a Henry: essa atenção constante. Eu leio cada página do que ele escreve, eu acompanho suas leituras, eu respondo a suas cartas, eu o ouço, eu lembro de tudo que

ele diz, eu escrevo sobre ele, eu lhe faço presentes, eu o protejo,

estou pronta, para a qualquer momento, desistir de qualquer pessoa por causa dele, eu acompanho seus pensamentos, entro em seus planos - um cuidado apaixonado, maternal e intelectual. Ele.

Ele não pode fazer isso. Ninguém pode. Ninguém sabe como. É uma arte, um dom. Hugh me protege, mas ele não corresponde. Henry corresponde, mas ele não encontra tempo para ler o que eu escrevo. Ele não entende todos meus humores, nem escreve sobre mim.".

ANAIS NINN

 

 

 

Haroldo Barbosa Filho

‎"Se soubesse mentir, diria que são mentiras o que lhe falei sobre minhas verdades, cara Wendy, só para que fugisse em direção à floresta e ganhasse a liberdade para viver junto às outras fadas, sem culpa por abandonar um amor que julgaria sem magia neste mundo limitado às humanas possibilidades."

Haroldo Barbosa Filho

‎"Se soubesse mentir, diria que são mentiras o que lhe falei sobre minhas verdades, cara Wendy, só para que fugisse em direção à floresta e ganhasse a liberdade para viver junto às outras fadas, sem culpa por abandonar um amor que julgaria sem magia neste mundo limitado às humanas possibilidades."

shakespeare

Why is my verse so barren of new pride,

So far from variation and quick change?

Why with the time do I not glance aside

To new-found methods and to compounds strange?

Why write I still all one, ever the same,

And keep invention in a noted weed,

That every word doth almost tell my name,

Showing their birth and where they did proceed?

O, know, sweet love, I always write of you,

And you and love are still my argument

So all my best is dressing old words new.

Spending again what is already spent:

For as the sun is daily new and old,

So is my love still telling what is told.

Haroldo Barbosa Filho

‎"Se soubesse mentir, diria que são mentiras o que lhe falei sobre minhas verdades, cara Wendy, só para que fugisse em direção à floresta e ganhasse a liberdade para viver junto às outras fadas, sem culpa por abandonar um amor que julgaria sem magia neste mundo limitado às humanas possibilidades."

PLAY Samuel Beckett

A play in one act by Samuel Beckett

Written in English in late 1962-3. First published in German, as Spiel, in Theatre Heute (July 1963). First published in English by Faber and Faber, London, in 1964. First performance was of Spiel, translated by Erika and Elmar Tophoven, at the Ulmer Theater, Ulm-Donau, on 14 June 1963. First performed in Britain by the National Theatre Company at the Old Vic Theatre, London, on 7 April 1964.

Front centre, touching one another, three identical grey urns (see page 319) about one yard high. From each a head protrudes, the neck held fast in the urn's mouth. The heads are those, from left to right as seen from auditorium, of w2, m and w1. They face undeviatingly front throughout the play. Faces so lost to age and aspect as to seem almost part of urns. But no masks.
Their speech is provoked by a spotlight projected on faces alone (see page 318).
The transfer of light from one face to another is immediate.
No blackout, i.e. return to almost complete darkness of opening, except where indicated.
The response to light is immediate.
Faces impassive throughout. Voices toneless except where an expression is indicated.
Rapid tempo throughout.
The curtain rises on a stage in almost complete darkness.
Urns just discernible. Five seconds.
Faint spots simultaneously on three faces. Three seconds. Voice faint, largely unintelligible.

w1:

w2:

[Together.
See page 319
.]

Yes, strange, darkness best, and the darker the worse, then all well, for the time, but it will come, the time will come, the thing is there, you'll see it, get off me, keep off me, all dark, all still, all over, wiped out-- Yes, perhaps, a shade gone, I suppose, some might say, poor thing, a shade gone, just a shade, in the head--[Faint wild laugh.]--just a shade, but I doubt it, I doubt it, not really, I'm all right, still all right, do my best, all I can--

M:

Yes, peace, one assumed, all out, all the pain, all as if . . . never been, it will come--[Hiccup.]--pardon, no sense in this, oh I know . . . none the less, one assumed, peace . . . I mean . . . not merely all over, but as if . . . never been--

[Spots off. Blackout. Five seconds. Strong spots simultaneously on three faces. Three seconds. Voices normal strength.]

w1:

w2:

M :

[Together]

I said to him, Give her up--
One Morning as I was sitting--
We were not long together--

[Spots off. Blackout. Five seconds. Spot on w1.]
W1 : I said to him, Give her up. I swore by all I held most sacred--
[Spot from w1 to w2.]
W2 : One morning as I was sitting stitching by the open window she burst in and flew at me. Give me up, she screamed, he's mine. Her photographs were kind to her. Seeing her now for the first time full length in the flesh I understood why he preferred me.
[Spot from w2 to M.]
M : We were not long together when she smelled the rat. Give up that whore, she said, or I'll cut my throat--[Hiccup.]
pardon--so help me God. I knew she could have no proof. So I told her I did not know what she was talking about.
[Spot from M to W2.]
W2 : What are you talking about? I said, stitching away. Someone yours? Give up whom? I smell you off him, she screamed, he stinks of bitch.
[Spot from w2 to w1.]
W1 : Though I had him dogged for months by a first-rate man, no shadow of proof was forthcoming. And there was no denying that he continued as . . . assiduous as ever. This, and his horror of the merely Platonic thing, made me sometimes wonder if I were not accusing him unjustly. Yes.
[Spot from w1 to M.]
M : What have you to complain of ? I said. Have I been neglecting you? How could we be together in the way we are if there were someone else? Loving her as I did, with all my heart, I could not but feel sorry for her.
[Spot from M to W2.]
W2 : Fearing she was about to offer me violence I rang for Erskine and had her shown out. Her parting words, as he could testify, if he is still living, and has not forgotten, coming and going on the earth, letting people in, showing people out, were to the effect that she would settle my hash. I confess this did alarm me a little, at the time.
[Spot from W2 to M.]
M : She was not convinced. I might have known. I smell her off you, she kept saying. There was no answer to this. So I took her in my arms and swore I could not live without her. I meant it, what is more. Yes, I am sure I did. She did not repulse me.
[Spot from M to W 1.]
W1 : Judge then of my ashonishment when one fine morning, as I was sitting stricken in the morning room, he slunk in, fell on his knees before me, buried his face in my lap and . . . confessed.
[Spot from w1 to M.]
M : She put a bloodhound on me, but I had a little chat with him. He was glad of the extra money.
[Spot from M to W2.]
W2 : Why don't you get out, I said, when he started moaning about his home life, there is obviously nothing between you any more. Or is there?
[Spot from w2 to w1.]
W1 : I confess my first feeling was one of wonderment. What a male!
[Spot from w1 to M. He opens his mouth to speak. Spot from M to W2.]
W2 : Anything between us, he said, what do you take me for, a something machine? And of course with him no danger of the . . . spiritual thing. Then why don't you get out? I said. I sometimes wondered if he was not living with her for her money.
[Spot from w2 to M.]
M : The next thing was the scene between them. I can't have her crashing in here, she said, threatening to take my life. I must have looked incredulous. Ask Erskine, she said, if you don't believe me. But she threatens to take her own, I said. Not yours? she said. No, I said, hers. We had fun trying to work this out.
[Spot from M to W1.]
W1 : Then I forgave him. To what will love not stoop! I suggested a little jaunt to celebrate, to the Riviera or our darling Grand Canary. He was looking pale. Peaked. But this was not possible just then. Professional commitments.
[Spot from w1 to w2.]
W2 : She came again. Just strolled in. All honey. Licking her lips. Poor thing. I was doing my nails, by the open window. He has told me all about it, she said. Who he, I said filing away, and what it? I know what torture you must be going through, she said, and I have dropped in to say I bear you no ill-feeling. I rang for Erskine.
[Spot from w2 to M.]
M : Then I got frightened and made a clean breast of it. She was looking more and more desperate. She had a razor in her vanity-bag. Adulterers, take warning, never admit.
[Spot from M to w1.]
W1 : When I was satisfied it was all over I went to have a gloat. Just a common tart. What he could have found in her when he had me--
[Spot from w1 to w2.]
W2 : When he came again we had it out. I felt like death. He went on about why he had to tell her. Too risky and so on. That meant he had gone back to her. Back to that!
[Spot from w2 to w1.]
W1 : Pudding face, puffy, spots, blubber mouth, jowls, no neck, drugs you could--
[Spot from w1 to w2.]
W2 : He went on and on. I could hear a mower. An old hand mower. I stopped him and said that whatever I might feel I had no silly threats to offer--but not much stomach for her leavings either. He thought that over for a bit.
[Spot from w2 to w1.]
W1 : Calves like a flunkey--
[Spot from w1 to M.]
M : When I saw her again she knew. She was looking--[Hiccup.]--wretched. Pardon. Some fool was cutting grass. A little rush, then another. The problem was how to convince her that no . . . revival of intimacy was involved. I couldn't. I might have known. So I took her in my arms and said I could not go on living without her. I don't believe I could have.
[Spot from M to W2.]
W2 : The only solution was to go away together. He swore we should as soon as he had put his affairs in order. In the meantime we were to carry on as before. By that he meant as best we could.
[Spot from w2 to w1.]
W1 : So he was mine again. All mine. I was happy again. I went about singing. The world--
[Spot from w1 to M.]
M : At home all heart to heart, new leaf and bygones bygones. I ran into your ex-doxy, she said one night, on the pillow, you're well out of that. Rather uncalled for, I thought. I am indeed, sweetheart, I said, I am indeed. God what vermin women. Thanks to you, angel, I said.
[Spot from M to W1.]
W1 : Then I began to smell her off him again. Yes.
[Spot from w1 to w2.]
W2 : When he stopped coming I was prepared. More or less.
[Spot from w2 to M.]
M : Finally it was all too much. I simply could no longer--
[Spot from M to W1.]
W1 : Before I could do anything he disappeared. That meant she had won. That slut! I couldn't credit it. I lay stricken for weeks. Then I drove over to her place. It was all bolted and barred. All grey with frozen dew. On the way back by Ash and Snodland--
[Spot from w1 to M.]
M : I simply could no longer--
[Spot from M to W2.]
W2: I made a bundle of his things and burnt them. It was November and the bonfire was going. All night I smelt them smouldering.
[Spot off W 2. Blackout. Five seconds. Spots half previous strength simultaneously on three faces. Three seconds. Voices proportionately lower.]

W 1 :

 

Mercy, mercy--

W 2 :

[Together]

To say I am--

M :

 

When first this change--

[Spots off. Blackout. Five seconds. Spot on M.]
M : When first this change I actually thanked God. I thought, It is done, it is said, now all is going out--[Spot from M to W1.]
W 1 : Mercy, mercy, tongue still hanging out for mercy. It will come. You haven't seen me. But you will. Then it will come.
[Spot from W1 to W2.]
W 2 : To say I am not disappointed, no, I am. I had anticipated something better. More restful.
[Spot from W2 to W1.]
W 1 : Or you will weary of me.
[Spot from W1 to M.]
M : Down, all going down, into the dark, peace is coming, I thought, after all, at last, I was right, after all, thank God, when first this change.
[Spot from M to W2.]
W 2 : Less confused. Less confusing. At the same time I prefer this to . . . the other thing. Definitely. There are endurable moments.
[Spot from W2 to M .]
M : I thought.
[Spot from M to W2.]
W 2 : When you go out--and I go out. Some day you will tire of me and go out . . . for good.
[Spot from W2 to W1.]
W 1 : Hellish half-light.
[Spot from W1 to M.]
M : Peace, yes, I suppose, a kind of peace, and all that pain as if . . . never been.
[Spot from M to W2.]
W 2 : Give me up, as a bad job. Go away and start poking and pecking at someone else. On the other hand--
[Spot from W2 to W1.]
W 1 : Get off me! Get off me!
[Spot from W1 to M.]
M : It will come. Must come. There is no future in this.
[Spot from M to W2.]
W 2 : On the other hand things may disimprove, there is that danger.
[Spot from W2 to M .]
M : Oh of course I know now--
[Spot from M to W1.]
W 1 : Is it that I do not tell the truth, is that it, that some day somehow I may tell the truth at last and then no more light at last, for the truth?
[Spot from W1 to W2.]
W 2 : You might get angry and blaze me clean out of my wits. Mightn't you?
[Spot from W2 to M .]
M : I know now, all that was just . . . play. And all this? When will all this--
[Spot from M to W1.]
W 1 : Is that it?
[Spot from W1 to W2.]
W 2 : Mightn't you?
[Spot from W2 to M .]
M : All this, when will all this have been . . . just play?
[Spot from M to W1.]
W 1 : I can do nothing . . . for anybody . . . any more . . . thank God. So it must be something I have to say. How the mind works still!
[Spot from W1 to W2.]
W 2 : But I doubt it. It would not be like you somehow. And you must know I am doing my best. Or don't you?
[Spot from W2 to M .]
M : Perhaps they have become friends. Perhaps sorrow--
[Spot from M to W1.]
W 1 : But I have said all I can. All you let me. All I--
[Spot from W1 to M .]
M : Perhaps sorrow has brought them together.
[Spot from M to W2.]
W 2 : No doubt I make the same mistake as when it was the sun that shone, of looking for sense where possibly there is none.
[Spot from W2 to M .]
M : Perhaps they meet, and sit, over a cup of that green tea they both so loved, without milk or sugar not even a squeeze of lemon--
[Spot from M to W2.]
W 2 : Are you listening to me? Is anyone bothering about me at all?
[Spot from W2 to M .]
M : Not even a squeeze of--
[Spot from M to W1.]
W 1 : Is it something I should do with my face, other than utter? Weep?
[Spot from w1 to w2.]
W 2 : Am I taboo, I wonder. Not necessarily, now that all danger is averted. That poor creature--I can hear her--that poor creature--
[Spot from w2 to w1.]
W 1 : Bite off my tongue and swallow it? Spit it out? Would that placate you? How the mind works still to be sure!
[Spot from W1 to M .]
M : Meet, and sit, now in the one dear place, now in the other, and sorrow together, and compare--[Hiccup.] pardon-- happy memories.
[Spot from M to W1.]
W 1 : If only I could think. There is no sense in this . . . either, none whatsoever. I can't.
[Spot from w1 to w2.]
W 2 : That poor creature who tried to seduce you, what ever became of her, do you suppose?--I can hear her. Poor thing.
[Spot from W2 to M .]
M : Personally I always preferred Lipton's.
[Spot from M to W1.]
W 1 : And that all is falling, all fallen, from the beginning, on empty air. Nothing being asked at all. No one asking me for anything at all.
[Spot from w1 to w2.]
W 2 : They might even feel sorry for me, if they could see me. But never so sorry as I for them.
[Spot from w2 to w1.]
W 1 : I can't
[Spot from w1 to w2.]
W 2 : Kissing their sour kisses.
[Spot from W2 to M .]
M : I pity them in any case, yes, compare my lot with theirs, however blessed, and--
[Spot from M to W1.]
W 1 : I can't. The mind won't have it. It would have to go. Yes.
[Spot from W1to M .]
M : Pity them.
[Spot from M to W2.]
W 2 : What do you do when you go out? Shift?
[Spot from W2 to M .]
M : Am I hiding something? Have I lost--
[Spot from M to W1.]
W 1 : She had means, I fancy, though she lived like a pig.
[Spot from W 1to W2.]
W 2 : Like dragging a great roller, on a scorching day. The strain . . . to get it moving, momentum coming--
[Spot off W2. Blackout. Three seconds. Spot on W2.]
W 2 : Kill it and strain again.
[Spot from W2 to M .]
M : Have I lost . . . the thing you want? Why go out? Why go--
[Spot from M to W2.]
W 2 : And you perhaps pitying me, thinking. Poor thing, she needs a rest.
[Spot from W2 to W1.]
W 1 :Perhaps she has taken him away to live . . . somewhere in the sun.
[Spot from W 1to M.]
M : Why go down? Why not--
[Spot from M to W2.]
W2 : I don't know.
[Spot from W2 to W1.]
W 1 : Perhaps she is sitting somewhere, by the open window, her hands folded in her lap, gazing down out over the olives--
[Spot from W 1to M.]
M : Why not keep on glaring at me without ceasing? I might start to rave and-- [Hiccup.]--bring it up for you. Par--
[Spot from M to W2.]
W 2 : No.
[Spot from W2 to M .]
M : --don
[Spot from M to W1.]
W 1 : Gazing down out over the olives, then the sea, wondering what can be keeping him, growing cold. Shadow stealing over everything. Creeping. Yes.
[Spot from W 1to M.]
M : To think we were never together.
[Spot from M to W2.]
W 2 : Am I not perhaps a little unhinged already?
[Spot from W2 to W1.]
W 1 : Poor creature. Poor creatures.
[Spot from W 1to M.]
M : Never woke together, on a May morning, the first to wake to wake the other two. Then in a little dinghy--
[Spot from M to W1.]
W 1 : Penitence, yes, at a pinch, atonement, one was resigned, but no, that does not seem to be the point either.
[Spot from W1 to W2.]
W 2 : I say, Am I not perhaps a little unhinged already? [Hopefully.] Just a little? [Pause.] I doubt it.
[Spot from W2 to M .]
M : A little dinghy--
[Spot from M to W1.]
W 1 : Silence and darkness were all I craved. Well, I get a certain amount of both. They being one. Perhaps it is more wickedness to pray for more.
[Spot from W 1to M.]
M : A little dinghy, on the river, I resting on my oars, they lolling on air-pillows in the stern . . . sheets. Drifting. Such fantasies.
[Spot from M to W 1.]
W 1 : Hellish half-light.
[Spot from W 1to W2.]
W 2 : A shade gone. In the head. Just a shade. I doubt it.
[Spot from W2to M.]
M : We were not civilized.
[Spot from M to W 1.]
W 1 : Dying for dark--and the darker the worse. Strange.
[Spot from W 1to M.]
M : Such fantasies. Then. And now--
[Spot from M to W2.]
W 2 : I doubt it.
[Pause. Peal of wild low laughter from W2 cut short as spot from her to W1.]
W 1 : Yes, and the whole thing there, all there, staring you in the face. You will see it. Get off me. Or weary.
[Spot from W 1to M.]
M : And now, that you are . . . mere eye. Just looking. At my face. On and off.
[Spot from M to W 1.]
W 1 : Weary of playing with me. Get off me. Yes.
[Spot from W 1to M.]
M : Looking for something. In my face. Some truth. In my eyes. Not even.
[Spot from M to W2. Laugh as before from W2 cut short as spot from her to M.]
M : Mere eye. No mind. Opening and shutting on me. Am I as much--
[Spot off. Blackout. Three seconds. Spot on M.]
As I much as . . . being seen?
[Spot off M. Blackout. Five seconds. Faint spots simultaneously on three faces. Three seconds. Voices faint largely unintelligible.]

W 1 :

 

Yes, strange, etc.

W 2 :

[Together]

Yes, perhaps, etc.

M :

 

Yes, peace, etc.

 

Deus não pode inspirar desejos irrealizáveis

Bem sabeis, minha Madre, que sempre desejei ser santa. 

Mas, ai de mim! sempre verifiquei, ao comparar-me com os Santos, que há entre eles e eu a mesma diferença que existe entre uma montanha, cujo cume se perde nos céus, e o obscuro grão de areia  pisado pelos pés dos caminhantes. Em vez de desanimar, disse para comigo: Deus não pode inspirar desejos irrealizáveis. Posso, portanto, apesar da minha pequenez, aspirar à santidade. Fazer-me crescer a mim mesma é impossível; tenho de suportar-me tal como sou, com todas as minhas imperfeições. Mas quero procurar a maneira de ir para o Céu por um caminhito muito direito, muito curto; um caminhito completamente novo.

(SANTA TEREZINHA DO MENINO JESUS, História de uma Alma, Ms C 2vº)

ANAIS NINN


"É como uma doença, o desejo de ver alguém, o anseio profundo e forte. E
você acabou de vê-lo, e vê-lo amanhã não vai satisfazer, e a mesma doença,
como uma fome, chegará até você, mais forte a cada vez que você o vê. Não,
eu não expliquei isso. Eu estava trabalhando hoje, escrevendo. Minha cabeça
estava ocupada: minha mente estava repleta do trabalho. Ainda assim, todo o
tempo, eu estava ciente de uma dor - corrosiva - como se um pedaço de mim
tivesse sido arrancado. E a mente não pudesse fazer nada sobre isso. Era
físico: estava nas veias, no sangue, na pele. Eis por que as relações
humanas são tão perigosas - porque a mente não tem poder sobre elas Estou
diabolicamente só. O que eu precisava era de alguém que pudesse me dar o que
eu dou a Henry: essa atenção constante. Eu leio cada página do que ele
escreve, eu acompanho suas leituras, eu respondo a suas cartas, eu o ouço,
eu  lembro de tudo que ele diz, eu escrevo sobre ele, eu lhe faço presentes,
eu o protejo, estou pronta, para a qualquer momento, desistir de qualquer
pessoa por causa dele, eu acompanho seus pensamentos, entro em seus planos -
um cuidado apaixonado, maternal e intelectual. Ele não pode fazer isso.
Ninguém pode. Ninguém sabe como. É uma arte,
um dom. Hugh me protege, mas ele não corresponde. Henry corresponde, mas ele
não encontra tempo para ler o que eu escrevo. Ele não entende todos meus
humores, nem escreve sobre mim.".
ANAIS NINN

Eu acho que uma das coisas melhores que eu tenho feito na minha vida, melhor que os livros que escrevi, foi não deixar morrer o menino que não pude ser , o menino que eu fui, em mim (...) Sexagenário, tenho sete anos; sexagenário, eu tenho quinze anos; sexagenário, amo a onda do mar, adoro ver a neve caindo, parece até alienação. Algum companheiro meu de esquerda estará dizendo: Paulo está irremediavelmente perdido. E eu diria a meu hipotético companheiro de esquerda: Eu estou achado, precisamente porque me perco olhando a neve cair. Sexagenário, eu tenho 25 anos. Depois de ter perdido uma mulher que amei estrondosamente, eu começo a amar estrondosamente de novo, sem nenhum sentido de culpa. E isso também é pedagógico. (PAULO FREIRE, Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: UNESP, 2001, p. 101)