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''Os livros são de autoajuda para quem os escreve''

15 de março de 2009  Jornal Estado de SP

''Os livros são de autoajuda para quem os escreve''

Chacal, POETA E MÚSICO

 

Nascido Ricardo de Carvalho em 1951, no Rio, estreou aos 20 anos com um livro mimeografado, Muito Prazer, Ricardo, e mudou o cenário da poesia brasileira, tornando-se conhecido por sua irreverência, inventividade e pelo nome de Chacal. Também é reconhecido como músico e letrista por parcerias com Lulu Santos, 14 Bis, Blitz, Barão Vermelho, entre outros. Da sua obra poética podem ser citados Vertentes (1975); 17 Peças (1983); Inscrições (1992); Dois Poemas Estrangeiros (1995); Poemas Anteriores (1998) e Práticas de Extravio (2003).

Que livro você mais relê? E qual a sua impressão das releituras?

Estrela da Vida Inteira, de Manuel Bandeira. Uma bíblia.

Dê exemplo de um livro bom injustiçado pelo público ou pela crítica.

Conversas Sobre o Invisível, de Jean-Claude Carrière, Michel Cassé e Jean Audouze.

Cite um livro que frustrou suas melhores expectativas.

Sargento Getúlio, de João Ubaldo. Não consegui vencer os primeiros capítulos. Tentarei de novo algum dia.

E um livro surpreendente, ou seja, bom e pelo qual você não dava nada.

Arranjos para Assovio, de Manoel de Barros.

A boa literatura está cheia de cenas marcantes. Cite algumas de sua antologia pessoal.

Diadorim era ela em Grande Sertão: Veredas. Uma revelação que faz reler o livro.

Que personagens são tão marcantes que ganham vida própria na sua imaginação de leitor?

Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade. Esse impagável cidadão passou a andar para todo canto comigo.

Cite um livro bom, mas que lhe fez mal, de tão perturbador?

On the Road, Jack Kerouac. Fiquei atordoado pela agitação de Dean Moriaty. Vertigem total.

E que livro mais o fez pensar?

Conversas Sobre o Invisível. O micro e o macro. Ciência e religião podem jogar juntas.

De qual autor você leu tudo, ou quase tudo? Qual o motivo do interesse que ele desperta em você?

Guimarães Rosa. Sua sintaxe, seus neologismos. O som de suas palavras se materializa.

Há algum autor como o qual não perderia seu tempo?

Não. Há muito autor para se perder deliciosamente o tempo todo.

Cite um livro que foi fundamental em sua formação, mesmo que hoje você não o considere tão bom como na época em que o leu.

Macunaíma, de Mário de Andrade. Tentei relê-lo. Não desceu como antes. Ele tem a ver com o contexto exterior.

Você considera a literatura policial é um gênero menor? Se a resposta for negativa cite um livro maior do gênero. Se for positiva, diga por quê.

Não. A Grande Arte, de Rubem Fonseca. Tudo na medida certa: linguagem, história.

Os livros de autoajuda são mesmo todos ruins, ou isso é puro preconceito da crítica? Caso goste de algum deles, poderia citá-lo e justificar sua preferência?

Todos os livros são de autoajuda para quem os escreve.

Cite:

a) Um livro meio chato, mas bom.


O Físico, de Noah Gordon. Longo, mas delicioso.

b) Um livro que você acha que deve ser muito bom mas jamais leu

Ulisses, de James Joyce. Preciso me preparar física e mentalmente. Não dá para ler num tiro só.

c) Um livro que você considera difícil, mas indispensável.

Sexo, de André Sant?Anna. A linguagem num parque de diversão.

d) Um livro que começa muito bem e se perde no caminho.

A Fúria do Corpo, de João Gilberto Noll. A vertiginosa narrativa não tem ponto de corte.

g) Um livro pior do que o filme baseado nele.

Do Androids Dream of Electric Sheep?, de Philip K. Dick, que gerou o incomparável Blade Runner.

Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?

A Fúria do Corpo, de João Gilberto Noll. O livro pode ser terminado pelo menos três vezes.

Que livros contrariam suas convicções, mas ainda assim você julga de leitura imprescindível?

Polígono das Secas, de Diogo Mainardi. Um livro pervertidamente divertido.

Cite exemplos de livros assassinados pela tradução e exemplos de boas traduções.

O Uivo, de Allen Ginsberg. Podia ser transcriado. Uma tradução mais adaptada à fala presente. Maiakovski por Boris Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos.

A literatura contemporânea é muito criticada. Que livro (s) publicado (s) nos últimos dez anos mereceria, para você, a honraria de clássico?

O Elefante, de Francisco Alvim. Chico inventa um poema que é quase fala, quase um recorte de um fraseado.

Para que clássico brasileiro, de qualquer tempo, você escreveria um prefácio incitando a leitura?

Memórias Póstumas de Brás Cuba, de Machado de Assis. É moderníssimo. Cinema de invenção.

Que livros (brasileiros ou estrangeiros) sempre presentes nos cânones não mereceriam seu voto? E um sempre ausente no qual votaria?

O Guarani, de José de Alencar. Perdeu-se no tempo. Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo, um clássico. Odisseia brasileira.

Sobre a crítica:

a) Que livro festejado pela crítica você detestou?


Pergunte ao Pó, de John Fante. Não sai do chão.

b) E de que livro demolido por críticos você gostou?

Proibidão, de Marcelo Mirisola. Desaforado andarilho do calçadão da Avenida Atlântica.

c) Quais bons autores você só descobriu alertado pela crítica?

Oswald de Andrade. A reedição de sua obra promovida por Haroldo e Augusto de Campos.

Cite um vício literário que você considera abominável.

Elogia-me que eu te elogiarei.

Son of poets Sylvia Plath and Ted Hughes kills himself

 

Son of poets Sylvia Plath and Ted Hughes kills himself

Nicholas Hughes hangs himself at his home in Alaska 46 years after his mother gassed herself
guardian.co.uk, Monday 23 March 2009 09.37 GMT
 
Nicholas Hughes, son of poet Ted Hughes
Nicholas Hughes (right) at the thanksgiving service for his father, Ted Hughes, in 1999. Photograph: Nils Jorgensen/Rex Features

 

Nicholas Hughes, the son of the poets Sylvia Plath and Ted Hughes, has hanged himself at the age of 47. The former fisheries scientist at the University of Alaska Fairbanks had carved out a successful scientific career in one of the remotest parts of the western world, but ultimately he could not escape the legacy of being the offspring of one of the most famous and tragic literary relationships of the 20th century.

Those who know little else about his mother know that she was the American-born poet who gassed herself in the kitchen of her north London home in February 1963 while her one-year-old son and his two-year-old sister, Frieda, slept in their cots in a nearby room. Plath had placed towels around the kitchen door to make sure the fumes did not reach her children. She had been distraught at the break-up of her relationship with Hughes, following her discovery of his infidelity. Six years after their mother's death, in 1969, their father's then partner, Assia Wevill, also killed herself, killing her four-year-old daughter Shura in the process.

Plath's relationship with the future poet laureate has been the subject of numerous literary and personal memoirs and biographies, and even a film, as well as long-running attacks on her husband's reputation and behaviour by some feminists. She addressed one of her last poems, Nick and the Candlestick, to her baby son: "O love, how did you get here? O embryo … In you, ruby/ The pain you wake to is not yours … You are the one." Although Nicholas Hughes's father maintained an anguished public silence about the tragedy, poems written at the time, published in the last year of his life, also spoke of his relationship with his son.

In a statement issued late on Sunday evening, Frieda Hughes reported: "It is with profound sorrow that I must announce the death of my brother Nicholas Hughes, who died by his own hand on Monday 16 March 2009 at his home in Alaska. He had been battling depression for some time.

"His lifelong fascination with fish and fishing was a strong and shared bond with our father (many of whose poems were about the natural world). He was a loving brother, a loyal friend to those who knew him and despite the vagaries that life threw at him, he maintained an almost childlike innocence for the next project or plan."

A report in the Fairbanks Daily News-Miner today by its columnist Dermot Cole understandably celebrates Hughes's academic and personal qualities rather than his literary associations. Noting that his initial scientific training had been at Oxford, Cole says he earned a doctorate at the University of Alaska in 1991: "He made lasting friendships in Fairbanks with those who shared his inventive interests in such varied pursuits as stream ecology, pottery, woodworking, boating, bicycling, gardening and cooking the perfect pecan pie … He spent countless summer hours in his research of grayling and salmon in the Chena river, exhibiting all the patience and wonder that defines a great fisherman. One of his innovations was rigging underwater cameras to get a three-dimensional view of the fish feeding in the passing current."

That interest may seem to pop psychologists an altogether more positive inherited legacy, of Ted Hughes's passionate interest in fishing, and indeed his father made several visits to Alaska before his death in 1998. Nicholas's particular academic specialism was in the behaviour of fish in currents. A 2004 paper explored why larger fish swim upstream in the turbulence of midstream rather than in the quieter waters near the banks: "Large fish swim further from the bank to avoid wave drag, the resistance associated with the generation of surface waves when swimming close to the surface," he wrote.

Hughes gave up his professorship two years ago to concentrate on pottery, although the paper said he continued his research with his partner, Christine Hunter, also a biologist.

Cole wrote: "A few times I called to let him know I would like to write about his life and his family connections whenever a news story about his parents appeared, but he did not think it was a good idea, so it never happened. He deserved his privacy. By and large, people in Fairbanks respected that, which is a good comment on our part of the world. In Alaska he had the freedom and the opportunity to live on his own terms and be recognised for his own accomplishments. Here he was not a literary figure forever defined by the lives of his parents."

In Plath's poems, he was her saviour

The shock and sadness of the news of Nicholas Hughes's death is almost unbearable. In his mother's poetry, he was saviour and life force - at his birth, she wrote, "this great bluish, glistening boy shot out onto the bed in a wave of tidal water that drenched all four of us to the skin, howling lustily", and he was for her the baby in the barn, "the one solid the spaces lean on". She loved her children, but not even loving them could save her, or, it now seems, him. Her son tried to survive her, escaping to Alaska, pursuing the wild fish through the icy rivers, but in the end he swam back up stream to the terrible birth and death place. Plath was heroic, in her struggles to create light and art from darkness, and so, I must and need to feel, was he. Margaret Drabble

a imagem de shakespeare

 

March 12, 2009

Adam Gopnik: Look Here, Upon This Picture

Shakesceneimage.jpg

 


A lot of talk has been occasioned by the supposed find, over in England, of a new portrait of Shakespeare—the one that made the front page of the Times and that makes him look like George in the "Penny Lane" video, circa 1967. The "Cobbe" portrait is said to date from 1610, when he was well along in his forties—the science of dendrochronology, or dating wooden-panel pictures by the number of tree rings, presumably anchors the certainty—and, while we wait to find out more about it, a lot of bad ideas about Shakespeare, pictures, and the period have been going around, herein to be cleared up.

First, the two familiar portraits of Shakespeare—the Droeshout engraving from the First Folio and the Stratford bust at Holy Trinity Church, in his home town—are not "thought to be" portraits of Shakespeare or "widely accepted" as portraits of Shakespeare. They are portraits of Shakespeare. They were commissioned soon after he died, by people who knew him intimately, in order to give other people a sense of what he looked like while he was alive. Ben Jonson said that the First Folio engraving looked just like him, saying, "could he [Droeshout] but have drawn his wit as well in brass, as he hath hit his face/the print would then surpass/all that was ever writ in brass," and Jonson knew him as well as anyone. The Shakespeare family put up and paid for the monument, sculpted by an artisan named Janssen, in Stratford right after their dad died—the Shakespeare scholar René Weis thinks the likeness was "almost certainly" made from a life mask taken not too long before the poet drew his last breath, in 1616—and though it makes him look like a Thurber husband, that must have been just how he looked, at least by the end.

Neither image is especially masterly, or even much good at all. To use an old distinction, they're "conceptual" rather than "optical"—they show an assembled stack of features rather than a convincing illusion of a specific face—but the concepts are clearly articulated: he's a bald guy with a short beard. Mrs. Shakespeare might have said, "Well, he was better-looking than that, dammit" (then again, given what she had put up with, she might not have), but she wouldn't have said, "He didn't look like that at all," or she wouldn't have let it happen. Any portrait of Shakespeare in his forties that doesn't look like these portraits of Shakespeare isn't a portrait of Shakespeare.

Nor is it true that there was, in the Jacobean period, a kind of broad, hazy latitude about portrait-making, in which artists were free to make people look however they wanted them to look and everyone accepted it. All author pictures are cosmetic, then as now—do you think that the sage man with his hand to his head, the wry woman novelist with the half smile actually look like that?—but they were no more stylized back then than any other kind of portraiture. In Elizabethan portraits, people look like the period, but they also look like themselves: a portrait of Southampton looks different from a portrait of Ben Jonson which looks nothing at all like a portrait of Richard Burbage. You really can tell these guys apart. Differences in likeness were as evident to them as they are to us—that's why Hamlet urges his mom to "look here, upon this picture, and on this." There is not a single line or scrap of evidence from the time in which someone says, Well, sure, the picture shows him with a full head of hair (or beard or whatever), but he didn't really look like that. Shakespeare lived in as satiric and short-tempered a circle as has ever existed; if, close to his retirement, he was bald, and had a picture painted where he wasn't, they would have jumped on him, and he knew it. Ben Jonson was so jaundiced about anything that struck him as pretension that when poor Shakespeare got enough money to buy a coat of arms and the motto "Non Sanz Droict" ("Not Without Right") Jonson immediately introduced a dim-witted social-climbing character into a play just so that he could have him say that his motto was "Not without mustard."

There is, however, another angle, not often cited, that suggests that there might have been other, more romantic pictures of Shakespeare making the rounds a few years earlier. A Cambridge student play from the period, the so-called "Parnassus," refers to it: a swoony courtier named Gullio is a crazy fan of "Venus and Adonis" and "Romeo and Juliet," and cries, "O sweet Master Shakespeare, I'll have his picture in my study at the court" (meaning in his rooms on the courtyard of his college, not alongside the Queen). This might just be loose talk, like someone saying he's going to keep a portrait of Wes Anderson in his room, but it sounds as if such things really happened.

This presents a problem, since it is a rule of life that undergraduates don't put pictures of bald, funny-looking guys up in their dorm. But the play seems to have been performed around 1600, a good ten years earlier than the date on this portrait, while the work that Gullio refers to is mostly still earlier than that, from Shakespeare's first lyric crop in the fifteen-nineties. And that Shakespeare was good-looking as a young man, before he lost his hair and puffed out from home-cooking, seems at least likely, on the fixed general principle that writers who become very celebrated in their youth, as he did, are, to a first approximation, almost always good-looking. Byron and Shelley, Mailer and Updike and Salinger, Fitzgerald, Dickens, Tennyson, Lowell, Ted Hughes—all celebrated in their youth, all not just O.K.-looking but an oil painting, each and every one. There are many good funny-looking writers, but it's hard to think of good funny-looking writers who get famous young. Funny-looking writers, at least funny-looking male writers, get famous late—Samuel Johnson and Sinclair Lewis and John Milton and Philip Larkin all come instantly to mind—or else they don't get famous. They get read, but they don't get celebrated. (The only exception is Alexander Pope, who got famous young and was a humpback dwarf, but he was so good that no one noticed, and anyway he looked fine from the neck up.) If you could push the date of the new portrait back a decade or so, and make it of the young, swoon-inducing Shakespeare, it might make sense.

And then the other really odd thing, which is causing heartburn in Canadian bosoms, is that another, even better-credentialled romantic painting of the Bard emerged in Canada a scant three years ago, and never got what the political writers like to call "traction." This one, the so-called Sanders portrait, its wood securely dated to the early seventeenth century, also shows a good-looking rock-star Shakespeare—though the Sanders looks less like George in '67 and more like Dylan on the cover of "New Morning," a shaggy guy with a wry smile—and has every bit as good a provenance as the new one, and a better direct claim: there's a slip of paper, securely dated to the period, on the back of the thing that once read, in part, "Shakespere…this likeness taken 1603." Post-Gullio, but not badly so…And the Canadian portrait shows a guy who, though not yet bald, is unmistakably going bald.

So the real takeaway ought to be that, if this is a new portrait of Shakespeare, it would probably have to date earlier than the date they're giving. Or else, as Ben Jonson said, that we ought to look "not on his picture, but his book." Or, best of all, just trust Canada.

(Photographs: Left, the "Cobb" portrait by Oli Scarff/Getty Images; Right, the "Sanders" portrait, courtesy of the Canadian Conservation Institute)

Cantiga de esposais - MAchado de Assis


Cantiga de esposais

Imagine a leitora que está em 1813, na igreja do Carmo, ouvindo uma daquelas boas festas antigas, que eram todo o recreio público e toda a arte musical. Sabem que é uma missa cantada; podem imaginar o que seria uma missa cantada daqueles anos remotos. Não lhe chamo a atenção para os padres e os sacristãos, nem para o sermão, nem para os olhos das moças cariocas, que já eram bonitos nesse tempo, nem para as mantilhas das senhoras graves, os calções, as cabeleiras, as sanefas, as luzes, os incensos, nada Não falo sequer da orquestra, que é excelente; limito-me a mostrar-lhes uma cabeça branca, a cabeça desse velho que rege a orquestra com alma e devoção.
Chama-se Romão Pires; terá sessenta anos, não menos, nasceu no Valongo, ou por esses lados. É bom músico e bom homem; todos os músicos gostam dele. Mestre Romão é o nome familiar; e dizer familiar e público era a mesma coisa em tal matéria e naquele tempo. "Quem rege a missa é mestre Romão" — equivalia a esta outra forma de anúncio, anos depois: "Entra em cena o ator João Caetano"; — ou então: "0 ator Martinho cantará uma de suas melhores árias". Era o tempero certo, o chamariz delicado e popular. Mestre Romão rege a festa! Quem não conhecia mestre Romão, com o seu ar circunspecto, olhos no chão, riso triste, e passo demorado? Tudo isso desaparecia à frente da orquestra; então a vida derramava-se por todo o corpo e todos os gestos do mestre; o olhar acendia-se, o riso iluminava-se: era outro. Não que a missa fosse dele; esta, por exemplo, que ele rege agora no Carmo é de José Maurício; mas ele rege-a com o mesmo amor que empregaria, se a missa fosse sua.
Acabou a festa; é como se acabasse um clarão intenso, e deixasse o rosto apenas alumiado da luz ordinária. Ei-lo que desce do coro, apoiado na bengala; vai à sacristia beijar a mão aos padres e aceita um lugar à mesa do jantar. Tudo isso indiferente e calado. Jantou, saiu, caminhou para a Rua da Mãe dos Homens, onde reside, com um preto velho, pai José, que é a sua verdadeira mãe, e que neste momento conversa com uma vizinha.
— Mestre Romão lá vem, pai José — disse a vizinha.
- Eh! eh! adeus, sinhá, até logo.
Pai José deu um salto, entrou em casa, e esperou o senhor, que daí a pouco entrava com o mesmo ar do costume. A casa não era rica naturalmente; nem alegre. Não tinha o menor vestígio de mulher, velha ou moça, nem passarinhos que cantassem, nem flores, nem cores vivas ou jucundas. Casa sombria e nua. 0 mais alegre era um cravo, onde o mestre Romão tocava algumas vezes, estudando. Sobre uma cadeira, ao pé, alguns papéis de música; nenhuma dele...
Ah! se mestre Romão pudesse seria um grande compositor. Parece que há duas sortes de vocação, as que têm língua e as que a não têm. As primeiras realizam-se; as últimas representam uma luta constante e estéril entre o impulso interior e a ausência de um modo de comunicação com os homens. Romão era destas. Tinha a vocação íntima da música; trazia dentro de si muitas óperas e missas, um mundo de harmonias novas e originais, que não alcançava exprimir e pôr no papel. Esta era a causa única de tristeza de mestre Romão. Naturalmente o vulgo não atinava com ela; uns diziam isto, outros aquilo: doença, falta de dinheiro, algum desgosto antigo; mas a verdade é esta: - a causa da melancolia de mestre Romão era não poder compor, não possuir o meio de traduzir o que sentia. Não é que não rabiscasse muito papel e não interrogasse o cravo, durante horas; mas tudo lhe saía informe, sem idéia nem harmonia. Nos últimos tempos tinha até vergonha da vizinhança, e não tentava mais nada.
E, entretanto, se pudesse, acabaria ao menos uma certa peça, um canto esponsalício, começado três dias depois de casado, em 1779. A mulher, que tinha então vinte e um anos, e morreu com vinte e três, não era muito bonita, nem pouco, mas extremamente simpática, e amava-o tanto como ele a ela. Três dias depois de casado, mestre Romão sentiu em si alguma coisa parecida com inspiração. Ideou então o canto esponsalício, e quis compô-lo; mas a inspiração não pôde sair. Como um pássaro que acaba de ser preso, e forceja por transpor as paredes da gaiola, abaixo, acima, impaciente, aterrado, assim batia a inspiração do nosso músico, encerrada nele sem poder sair, sem achar uma porta, nada. Algumas notas chegaram a ligar-se; ele escreveu-as; obra de uma folha de papel, não mais. Teimou no dia seguinte, dez dias depois, vinte vezes durante o tempo de casado. Quando a mulher morreu, ele releu essas primeiras notas conjugais, e ficou ainda mais triste, por não ter podido fixar no papel a sensação de felicidade extinta.
— Pai José — disse ele ao entrar —, sinto-me hoje adoentado.
— Sinhô comeu alguma coisa que fez mal...
— Não; já de manhã não estava bom. Vai à botica...
0 boticário mandou alguma coisa, que ele tomou à noite; no dia seguinte mestre Romão não se sentia melhor. E preciso dizer que ele padecia do coração: — moléstia grave e crônica. Pai José ficou aterrado, quando viu que o incômodo não cedera ao remédio, nem ao repouso, e quis chamar o médico.
— Para quê? - disse o mestre. — Isto passa.
0 dia não acabou pior; e a noite suportou-a ele bem, não assim o preto, que mal pôde dormir duas horas. A vizinhança, apenas soube do incômodo, não quis outro motivo de palestra; os que entretinham relações com o mestre foram visitá-lo. E diziam-lhe que não era nada, que eram macacoas do tempo; um acrescentava graciosamente que era manha, para fugir aos capotes que o boticário lhe dava no gamão — outro que eram amores. Mestre Romão sorria, mas consigo mesmo dizia que era o final.
"Está acabado", pensava ele.
Um dia de manhã, cinco depois da festa, o médico achou-o realmente mal; e foi isso o que ele lhe viu na fisionomia por trás das palavras enganadoras:
— Isto não é nada; é preciso não pensar em músicas...
Em músicas! justamente esta palavra do médico deu ao mestre um pensamento. Logo que ficou só, com o escravo, abriu a gaveta onde guardava desde 1779 o canto esponsalício começado. Releu essas notas arrancadas a custo, e não concluídas. E então teve uma idéia singular: — rematar a obra agora, fosse como fosse; qualquer coisa servia, uma vez que deixasse um pouco de alma na terra.
— Quem sabe? Em 1880, talvez se toque isto, e se conte que um mestre Romão...
0 princípio do canto rematava em um certo lá; este lá, que lhe caía bem no lugar, era a nota derradeiramente escrita. Mestre Romão ordenou que lhe levassem o cravo para a sala do fundo, que dava para o quintal: era-lhe preciso ar. Pela janela viu na janela dos fundos de outra casa dois casadinhos de oito dias, debruçados, com os braços por cima dos ombros, e duas mãos presas. Mestre Romão sorriu com tristeza.
— Aqueles chegam — disse ele —, eu saio. Comporei ao menos este canto que eles poderão tocar...
Sentou-se ao cravo; reproduziu as notas e chegou ao lá...
— Lá, lá, lá...
Nada, não passava adiante. E contudo, ele sabia música como gente.
Lá, dó... lá, mi... lá, si, dó, ré... ré... ré...
Impossível! nenhuma inspiração. Não exigia uma peça profundamente original , mas enfim alguma coisa, que não fosse de outro e se ligasse ao pensamento começado. Voltava ao princípio, repetia as notas, buscava reaver um retalho da sensação extinta, lembrava-se da mulher, dos primeiros tempos. Para completar a ilusão, deitava os olhos pela janela para o lados casadinhos. Estes continuavam ali, com as mãos presas e os braços passados nos ombros um do outro; a diferença é que se miravam agora, em vez de olhar para baixo: Mestre Romão, ofegante da moléstia e de impaciência, tornava ao cravo; mas a vista do casal não lhe suprira a inspiração, e as notas seguintes não soavam.
— Lá... lá... lá...
Desesperado, deixou o cravo, pegou do papel escrito e rasgou-o. Nesse momento, a moça embebida no olhar do marido, começou a cantarolar à toa, inconscientemente, uma coisa nunca antes cantada nem sabida, na qual coisa um certo lá trazia após si uma linda frase musical, justamente a que mestre Romão procurara durante anos sem achar nunca. 0 mestre ouviu-a com tristeza, abanou a cabeça, e à noite expirou.

Peter Brook - The Shifting Point

I have never believed a single truth. Neither my own, nor those of others. I believe all schools, all theories can be useful in some place, at some time. But I have discovered that one can only live by a passionate, and absolute, identification with a point of view. However, as time goes by, as we change, as the world changes, targets alter and the viewpoint shifts. Looking back over many years of essays written, ideas spoken in many places on so many varied occasions, one thing strikes me as being consistent. For a point of view to be of any use at all, one must commit oneself totally to it, one must defend it to the very death. Yet, at the same time, there is an inner voice that murmurs: "Don't take it too seriously. Hold on tightly, let go lightly."

Peter Brook - The Shifting Point

NOVA IORQUE EM P&B (NYC in Black and White)

 
 

Machado em cena

 
 
Machado em cena

Compilação traz textos sobre teatro escritos no início da carreira pelo autor de "Dom Casmurro"

JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

 

É exemplar a organização realizada por João Roberto Faria da produção de Machado de Assis relativa ao teatro ["Machado de Assis: do Teatro - Textos Críticos e Escritos Diversos", ed. Perspectiva, 679 págs., R$ 92]. A iniciativa valoriza os anos de aprendizagem do futuro autor de "Dom Casmurro": "Tudo indica que Machado acompanhou de perto a vida teatral do Rio de Janeiro, a partir do segundo semestre de 1856, e que isso foi decisivo em sua formação".
Demonstrar a relevância do palco no desenvolvimento da visão do mundo machadiana é um dos maiores méritos da alentada e desde já indispensável introdução, "Machado de Assis e o Teatro do Seu Tempo". Em primeiro lugar, antes de principiar a produzir seus romances, Machado consagrou-se como crítico -literário e teatral.
Além disso, atuou como censor do Conservatório Dramático, recomendando ou desaprovando a encenação de obras.
E não se pense, anacronicamente, que a ótica corrosiva do Machado mais celebrado tenha favorecido pareceres a contrapelo dos preconceitos da época. Pelo contrário, "o censor rigoroso negou a licença a três peças, que considerou imorais".
Basta um único exemplo, difícil, mas revelador, do longo caminho que o Machadinho precisou vencer antes de converter-se no autor das "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
Ao avaliar o drama "Mistérios Sociais", Machado não hesitou em recomendar a "alteração da condição social do protagonista (...) de escravo para homem livre".
Assim, além de ganhar em verossimilhança, a trama ficaria mais adequada às complexas condições de uma sociedade escravocrata, porém com uma retórica liberal.

Universidade
Nesse sentido, não surpreende que Machado compreendesse o teatro como uma espécie de universidade sem muros, capaz de exercer uma função civilizadora segundo o corte clássico "da velha máxima de Horácio (...), deleitando e ao mesmo tempo instruindo".
Contudo, reconhecer esses impasses conservadores ou, no mínimo, observar a timidez calculada de seus princípios não esgota o interesse da presente compilação.
No tocante à crítica teatral, dois fatores ocupam o centro da cena.
"Machado foi um crítico preocupado com todos os aspectos da montagem teatral. Seus folhetins quase sempre seguem um padrão: ele faz um estudo da peça, do ponto de vista literário e dramático, (...) e em seguida um comentário sobre a encenação, destacando porém (...) as interpretações dos artistas."
E, mesmo em relação à análise da atuação dos atores, Machado também construiu um modelo próprio: "Passando aos artistas do Ginásio, os comentários (...) obedeceram a uma constante".
O ponto é fundamental: a crítica machadiana supôs o desenvolvimento de um método particular de análise, em busca do equilíbrio entre a fatura literária e o interesse dramático, sem jamais perder de vista a performance no aqui e agora do espetáculo.
Mesmo em sua fase menos ousada, portanto, o autor de "O Alienista" começou a esboçar o caminho que lhe seria próprio, aliando narração e reflexão, intriga e análise, criação e crítica.
Como os temas tratados na introdução e, sobretudo, os próprios textos críticos e escritos diversos ultrapassam os limites de uma resenha, apenas menciono o que talvez seja a hipótese mais fascinante proposta pelo organizador.
Refiro-me à descoberta machadiana de um novo Shakespeare por meio das memoráveis atuações do célebre Ernesto Rossi.

Dicção autobiográfica
O elogio de Machado possui dicção autobiográfica: as encenações do ator italiano revelavam um autor que o público brasileiro conhecia sobretudo por meio de "partituras musicais. Esta verdade deve dizer-se: [William] Shakespeare está sendo uma revelação para muita gente".
Esse texto, escrito em 1871, vale por uma confissão.
De fato, no ano seguinte, na publicação de seu primeiro romance, "Ressurreição", sua epígrafe é tomada de empréstimo ao dramaturgo inglês de "Medida por Medida".
Desde esse momento, Shakespeare ocupou o centro do palco do museu imaginário de Machado.
João Roberto Faria vai ainda mais longe e sugere uma conexão surpreendente: "O Otelo que Bentinho vê no teatro, pelos olhos de Machado, é o de Ernesto Rossi".
Em artigo de 1896, Machado escreveu palavras definitivas: "Quando não se falar inglês, falar-se-á Shakespeare". Nos tristes trópicos, devemos aprender a falar Machado.
Mas, a partir de agora, contamos com uma gramática indispensável: a primorosa edição desses "Textos Críticos e Escritos Diversos".


JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA é professor universitário e ensaísta.
Folha SP 02/02/2009


The Great(ness) Game (poesia)

 
The New York Times
 
 
 


February 22, 2009
On Poetry

The Great(ness) Game

In October, John Ashbery became the first poet to have an edition of his works released by the Library of America in his own lifetime. That honor says a number of things about the state of contemporary poetry — some good, some not so good — but perhaps the most important and disturbing question it raises is this: What will we do when Ashbery and his generation are gone? Because for the first time since the early 19th century, American poetry may be about to run out of greatness.

That may seem like a strange (and strangely fraught) way of putting things. But the concept of "greatness" has a special significance in the poetry world that it often lacks elsewhere — after all, in most areas of life, greatness is to be cherished, but it isn't essential. The golf world idolizes Tiger Woods, sure, but duffers will still be heaving 9-irons into ponds long after Woods plays his last major. Poetry can't be as confident about its own durability. Poetry has justified itself historically by asserting that no matter how small its audience or dotty its practitioners, it remains the place one goes for the highest of High Art. As Byron put it in a loose translation of Horace: "But poesy between the best and worst / No medium knows; you must be last or first: / For middling poets' miserable volumes, / Are damn'd alike by gods, and men, and columns." Poetry needs greatness.

Or so the thinking goes, anyway. The problem is that over the course of the 20th century, greatness has turned out to be an increasingly blurry business. In part, that's a reflection of the standard narrative of postmodernism, according to which all uppercase ideals — Truth, Beauty, Justice — must come in for questioning. But the difficulty with poetic greatness has to do with more than the talking points of the contemporary culture wars. Greatness is — and indeed, has always been — a tangle of occasionally incompatible concepts, most of which depend upon placing the burden of "greatness" on different parts of the artistic process. Does being "great" simply mean writing poems that are "great"? If so, how many? Or does "greatness" mean having a sufficiently "great" project? If you have such a project, can you be "great" while writing poems that are only "good" (and maybe even a little "boring")? Is being a "great" poet the same as being a "major" poet? Are "great" poets necessarily "serious" poets? These are all good questions to which nobody has had very convincing answers.

STILL, however blurry "greatness" may be, it's clear that segments of the poetry world have been fretting over its potential loss since at least 1983. That's the year in which an essay by Donald Hall, the United States poet laureate from 2006 to 2007, appeared in The Kenyon Review bearing the title "Poetry and Ambition." Hall got right to the point: "It seems to me that contemporary American po­etry is afflicted by modesty of ambition — a modesty, alas, genuine . . . if sometimes accompanied by vast pretense." What poets should be trying to do, according to Hall, was "to make words that live forever" and "to be as good as Dante." They probably would fail, of course, but even so, "the only way we are likely to be any good is to try to be as great as the best." Pretty strong stuff — and one wonders how many plays Shakespeare would have managed to write had he subjected every line to the merciless scrutiny Hall recommends.

Yet many of Hall's points are still being wrangled over more than 20 years later. In 2005, Poetry magazine published a round-table discussion entitled (naturally) "Ambition and Greatness," in which participants were alternately put off by the entire idea of "capital-G Great" (as the poet Daisy Fried put it) or concerned that, as the scholar Jeredith Merrin suggested, the contemporary poetry world might be trying "to rewrite 'great' as small." What no participant did, though, was question the im­plicit premise that greatness isn't something American poets can take for granted, but rather something they should subject to the analysis of a panel. No one, for instance, said, "Well, obviously we are living in an age of great and hugely ambitious American poetry, so let's talk about [insert name(s)] and how we all admire and envy [insert work of timeless relevance]." No one even mustered the contrarian hyperbole with which William Carlos Williams greeted "The Waste Land": "It wiped out our world as if an atom bomb had been dropped upon it and our brave sallies into the unknown were turned to dust." Instead, the panelists bickered mildly over Elizabeth Bishop (who had been dead for more than 25 years) and Frank O'Hara (who was born 15 years after Bishop but died in 1966), with Adam Kirsch concluding, "Good and enduring as they are, . . . there is something not quite right about calling them great, in the sense that Eliot and Whitman and Dickinson are great."

Not exactly a ringing endorsement for either poet. And yet the ambivalence about Bishop's status in particular is worth pausing over for two reasons. One relates to the structure of the poetry world, and I'll get to it shortly. The other has to do with the fact that, as I touched on above, words like "great" have a tendency to get a little squirrelly when applied to complex disciplines like poetry. In relatively straightforward activities, such words aren't as much of a problem. If we're looking at a series of foot­ ­races, for example, it's not hard to see who finished first the most times (or had the highest average finish), and as a result, whether we call a given runner "great" or "excellent" or "terrific," we'll generally have the same thing in mind. Not so with poetry. A list of "great" poets will look quite a bit different from a list of "perfect" poets, which may have almost no overlap with a list of "spectacular" poets, which in turn may be completely different from a list of "sublime" poets. When we talk about poetic greatness, we're talking about style and persona, even when (or maybe, especially when) we think we aren't.

OUR largely unconscious assumptions work like a velvet rope: if a poet looks the way we think a great poet ought to, we let him or her into the club quickly — and sometimes later wish we hadn't. If poets fail to fit our assumptions, though, we spend a lot more time checking out their outfits, listening to their friends' importuning, weighing the evidence, waiting for a twenty and so forth. Of course, this matters only for poets whose reputations are still at issue. It may have taken Emily Dickinson 100 years to get into the club, but now that she's there, she's there. For contemporaries and near contemporaries, though, falling on the wrong side of our intuitions can mean trouble, because those intuitions give rise to chatter and criticism and scholarship that can take decades to clear away.

What, then, do we assume greatness looks like? There is no one true answer to that question, no neat test or rule, since our unconscious assumptions are by nature unsystematic and occasionally contradictory. Generally speaking, though, the style we have in mind tends to be grand, sober, sweeping — unapologetically authoritative and often overtly rhetorical. It's less likely to involve words like "canary" and "sniffle" and "widget" and more likely to involve words like "nation" and "soul" and "language." And the persona we associate with greatness is something, you know, exceptional — an aristocrat, a rebel, a statesman, an apostate, a mad-eyed genius who has drunk from the Fountain of Truth and tasted the Fruit of Knowledge and donned the Beret of. . . . Well, anyway, it's somebody who takes himself very seriously and demands that we do so as well. Greatness implies scale, and a great poet is a big sensibility writing about big things in a big way.

It's risky, then, to write poems about the tiny objects on your desk. But that's exactly what Bishop did — and that choice helps explain why she was for a long time considered obviously less "great" than her close friend Robert Lowell. As the poet David Wojahn noted in a letter in response to Poetry's panel, Lowell was "probably the last American poet to aspire to Greatness in the old-­fashioned, capital-G sense." Lowell had the style: his poetry is bursting with vast claims, sparkling abstractions and vehement denunciations of the servility of the age. And Lowell had the persona: he was a thunderbolt-­chucking wild man from one of America's most famous Bostonian lineages. Bishop, on the other hand, had neither. Her poems open with lines like "I caught a tremendous fish," and she's invariably described by critics as "shy," "modest," "charming" and so forth. Yet it's Bishop's writing, not Lowell's, that matters more in the poetry world today. "What is strange," the poet-critic J. D. McClatchy writes, "is how her influence . . . has been felt in the literary culture. John Ashbery, James Merrill and Mark Strand, for instance, have each claimed Bishop as his favorite poet. . . . Since each of them couldn't be more different from one another, how is it possible?"

It's possible, one might answer, because Bishop was a great poet, if we take "great" to mean something like "demonstrating the qualities that make poetry seem interesting and worthwhile to such a degree that subsequent practitioners of the art form have found her work a more useful resource than the work of most if not all of her peers." But our assumptions about how greatness should look, like our assumptions about how people should look, are more subtle and stubborn than we realize. So in certain segments of the poetry world, the solution has been to make Bishop what you might call "great with an asterisk." In particular, there has been a persistent effort to pair her with the less-talented but greater-looking Lowell, a ploy that resembles the old high school date movie tactic of sending the bookish plain Jane to the prom with the quarterback. (When her glasses are slowly removed by the right man, she's revealed to have been, all along, totally hot!) In reviewing "Words in Air: The Complete Correspondence of Elizabeth Bishop and Robert Lowell" for the Book Review recently, William Logan carried this tendency to its logical if nutty conclusion, depicting the two poets as star-crossed lovers despite the fact that (a) Bishop was a lesbian; and (b) Lowell's only romantic overture to Bishop in their 30-year friendship — and this was a man who would've made a pass at a fire hydrant — was met with polite silence by its intended recipient. Yet while this flight of fancy is almost comically unfair to both writers, it does give us a workable if unwieldy model of greatness. Bishop wrote the poems, Lowell acted the part, and if you simply look back and forth fast enough between the two while squinting, it's possible to see a single Great Poet staring back at you.

Which brings us to the point I mentioned earlier about the structure of the poetry world. Greatness isn't simply a matter of potentially confusing concepts; it's also a practical question about who gets to decide what about whom. Our assumptions about poetic greatness are therefore linked to the reputation-making structures of the poetry world — and changes in those structures can have peculiar effects on our thinking. For most of the 20th century, the poetry world resembled a country club. One had to know the right people; one had to study with the right mentors. The system began to change after the G.I. Bill was introduced (making a university-level poetic education possible for more people), and that change accelerated in the 1970s, as creative writing programs began to flourish. In 1975, there were 80 such programs; by 1992, there were more than 500, and the accumulated weight of all these credentialed poets began to put increasing pressure on poetry's old system of personal relationships and behind-the-scenes logrolling. It would be a mistake to call today's poetry world a transparent democracy (that whirring you hear is the sound of logs still busily being rolled), but it's more democratic than it used to be — and far more middle class. It's more of a guild now than a country club. This change has brought with it certain virtues, like greater professionalism and courtesy. One could argue that it also made the poetry world more receptive to writers like Bishop, whose style is less hoity-toity than, say, Eliot's. But the poetry world has also acquired new vices, most notably a tedious careerism that encourages poets to publish early and often (the Donald Hall essay I mentioned earlier is largely a criticism of this very tendency). Consequently, it's not hard to feel nostalgic for the way things used to be; or at least, the way we imagine they used to be. And this nostalgia often manifests as a preference for a particular kind of "greatness."

The easiest way to see this phenomenon in action is to look at a peculiar development in American poetry that has more or less paralleled the growth of creative-writing programs: the lionization of poets from other countries, especially countries in which writers might have the opportunity to be, as it were, shot. In most ways, of course, this is an admirable development that puts the lie to talk about American provincialism. In other ways, though, it can be a bit cringe-worthy. Consider how Robert Pinsky describes the laughter of the Polish émigré and Nobel Prize-winning dissident Czeslaw Milosz: "The sound of it was infectious, but more precisely it was commanding. His laughter had the counter-authority of human intelligence, triumphing over the petty-minded authority of a regime." That's one hell of a chuckle. The problem isn't that Pinsky likes and admires Milosz; it's that he can't hear a Polish poet snortle without having fantasies about barricades and firing squads. He's by no means alone in that. Many of us in the American poetry world have a habit of exalting foreign writers while turning them into cartoons. And we do so because their very foreignness implies a distance — a potentially "great" distance — that we no longer have from our own writers, most of whom make regular appearances on the reading circuit and have publicly available office phones.

In addition, non-American writers are the perfect surface upon which to project our desire for the style and persona we associate with old-fashioned greatness. One hesitates to invoke the dread word "colonialism" here, but sometimes you've got to call a Mayflower a May­flower. How else, really, to explain the reverse condescension that allows us to applaud pompous nonsense in the work of a Polish poet that would be rightly skewered if it came from an American? Milosz, for instance, wrote many fine poems, but he was also regularly congratulated for lines like: "What is poetry which does not save / Nations or people? / A connivance with official lies, / A song of drunkards whose throats will be cut in a moment, / Readings for sophomore girls." Any sophomore girl worth her copy of "A Room of One's Own" would kick him in the shins.

It may be starting to sound as if greatness isn't all that great; that it's simply another strategy for concealing predictable prejudices that poets should forswear on their path to becoming wise and tolerant 21st-century artists. That is, however, almost the opposite of the truth. Yes, greatness narrowly defined to mean a particular, windily dull type of writing is something we could all do without, and long may its advocates gag on their pipe smoke and languish in their tweeds. But the idea that poets should aspire to produce work "exquisite in its kind," as Samuel Johnson once put it, is one of the art form's most powerful legacies. When we lose sight of greatness, we cease being hard on ourselves and on one another; we begin to think of real criticism as being "mean" rather than as evidence of poetry's health; we stop assuming that poems should be interesting to other people and begin thinking of them as being obliged only to interest our friends — and finally, not even that. Perhaps most disturbing, we stop making demands on the few artists capable of practicing the art at its highest levels. Instead, we cling to the ground in those artists' shadows — John Ashbery's is enormous at this point — and talk about how rich the darkness is and how lovely it is to be a mushroom. This doesn't help anyone. What we should be doing is asking why a poet as gifted as Ashbery has written so many poems that are boring or repetitive (or both), because such questions will allow us to better understand the poems he has written that are moving and funny and beautiful. Such questions might even allow other poets — especially younger poets — to find their own ways of writing poems that are moving and funny and beautiful. Which for those of us who read them, for those of us who believe in them, would be a very great thing indeed.

Sean Penn Oscar Speech

 

Sean Penn Oscar Speech

Sean Penn as Harvey Milk

Sean Penn won the Best Actor Oscar for his portrayal of Harvey Milk in Milk. The award was presented at the 81st Annual Academy Awards on February 22, 2009.

 
 

Sean Penn Oscar Speech Transcription

 

"Thank you. Thank you. You commie, homo-loving sons-of-guns. I did not expect this, but I, and I want it to be very clear, that I do know how hard I make it to appreciate me often. But I am touched by the appreciation and I hoped for it enough that I did want to scribble down, so I had the names in case you were commie, homo-loving sons-of-guns, and so I want to thank my best friend, Sata Matsuzawa. My circle of long-time support, Mara, Brian, Barry and Bob. The great Cleve Jones. Our wonderful writer, Lance Black. Producers Bruce Cohen and Dan Jinks.

And particularly, as all, as actors know, our director either has the patience, talent and restraint to grant us a voice or they don't, and it goes from the beginning of the meeting, through the cutting room. And there is no finer hands to be in than Gus Van Sant. And finally, for those, two last finallies, for those who saw the signs of hatred as our cars drove in tonight, I think that it is a good time for those who voted for the ban against gay marriage to sit and reflect and anticipate their great shame and the shame in their grandchildren's eyes if they continue that way of support.

We've got to have equal rights for everyone. And there are, and there are, these last two things. I'm very, very proud to live in a country that is willing to elect an elegant man president and a country who, for all its toughness, creates courageous artists. And this is in great due respect to all the nominees, but courageous artists, who despite a sensitivity that sometimes has brought enormous challenge, Mickey Rourke rises again and he is my brother. Thank you all very much."—Oscars

Fabiano Gontijo e a homossexualidade no carnaval do Rio

prosa online, 23/2/2009


Enviado por Miguel Conde

 

No carnaval, as máscaras que encobrem também revelam. A liberalidade da festa põe em cena práticas e valores nem sempre aceitos no tempo ordinário da vida cotidiana. O antropólogo Fabiano Gontijo passou anos estudando bailes e escolas de samba cariocas para entender como os rituais desse período influenciaram a constituição e circulação das identidades homossexuais no Rio de Janeiro. Frequentando ensaios, bailes e festas, realizou diversas entrevistas para pesquisar, como ele diz, o que o carnaval significa para pessoas que mantêm relações sexuais preferencialmente com pessoas do mesmo sexo. Os resultados da pesquisa estão no recém-lançado "O Rei Momo e o arco-íris" (Garamond). Por e-mail, Gontijo conversou com o blog sobre o livro.

 

 

O que se pode aprender sobre a homossexualidade no Rio estudando o carnaval carioca?

Penso que as situações ritualizadas que compõem o carnaval – como, por exemplo, os ensaios e desfiles das escolas de samba, os bailes e festas alternativas carnavalescas e as "saídas" dos blocos e bandas –, ao se desenvolverem num quadro de permissividade, contribuem de certa forma para a tomada de consciência, por parte dos indivíduos confrontados simbolicamente uns com os outros, das oposições e dos conflitos latentes da vida ordinária e, por conseguinte, ajudam a minimizá-los. Se essas situações ritualizadas forem entendidas como "dramas sociais", pode-se chegar, a meu ver, através delas, à reivindicação de integração plena e de cidadania (cultural?) pelos grupos estigmatizados, podendo-se falar então de direito à diferença e à indiferença.



O que é carnaval? Como entender esta festa que parece interromper as atividades cotidianas no Brasil a cada ano, por alguns dias, durante os quais escolas de samba competem entre si com enredos caríssimos e efêmeros, enquanto, numa licenciosidade ímpar, homens e mulheres se rendem aos prazeres da carne?

Realizei uma vasta pesquisa etnográfica ao longo da década de 1990 para corroborar a ideia de que o carnaval é ritual: observando-se o estado de êxtase que se instala, para alguns indivíduos, durante a passagem de uma banda, num desfile ou ensaio de escola de samba ou, enfim, num baile ou festa alternativa e os contrastes entre o espaço-tempo ordinário e o espaço-tempo extraordinário, acabei empreendendo um trabalho mais aprofundado sobre a vivência das homossexualidades em período de carnaval no contexto carioca. Assim, em vez de procurar o que significa para o conjunto da sociedade, o trabalho tentou mostrar o que o carnaval significa para "pessoas que mantêm relações sexuais preferencialmente com pessoas do mesmo sexo". O leitor pode estranhar essa frase descritiva, nada elegante, mas ela é absolutamente necessária para uma análise fundada no axioma anti-essencialista de que as identidades não são feitas na natureza, mas produzidas historicamente. Ela permite manter clara a distinção teórica fundamental entre desejos e práticas sexuais, por um lado, e as identidades, por outro.

Carnaval, tempo suspenso? Sim, mas tempo histórico, que corre de maneira linear e trivial e que agarra em sua passagem todos os que se encontram em seu caminho. Carnaval, espaço redimensionado? Sim, mas espaço de dimensões materiais, no qual se reproduzem as impurezas da vida cotidiana. Carnaval, rito de inversão, cuja principal inversão é a dos sexos? Talvez assim o seja para uma grande parte dos homens e das mulheres. Mas para homens que mantêm relações sexuais preferencialmente com homens, o carnaval parece ser muito mais um momento de permissividade, momento de tornar visível para o outro o que se faz em tempos ordinários longe de outros olhares. Carnaval, rito de inversão, cuja principal inversão é a da hierarquia social? Talvez assim o seja para uma grande parcela da população, um momento em que o plebeu se torna rei. Mas para homens que mantêm relações sexuais preferencialmente com homens, o carnaval parece ser muito mais um momento em que eles podem conhecer outros "mundos", romper algumas barreiras instituídas da vida ordinária, ainda que preservando uma "distância" social mínima. "O Rei Momo e o arco-íris" trata dessas questões.



Historicamente, qual foi a importância do carnaval carioca na constituição e afirmação de identidades homossexuais na cidade?

Até as décadas de 1960/1970, os homens que mantinham relações sexuais preferencialmente com homens, adaptados ao sistema hierárquico de gênero, restringiam suas práticas para passarem mais ou menos despercebidos, iam às festividades carnavalescas "gerais" e, em casos mais raros, adotavam o papel de gênero oposto e freqüentavam as festividades carnavalescas ditas para "enxutos" ou "bonecas", como os bailes dos teatros São José ou República, no centro da cidade e na Lapa.

Nas décadas de 1970 e 1980, o desenvolvimento da "pequena burguesia nova" e da "sociedade de consumo de massa" favoreceram uma maior visibilização das atividades de homossexuais nos centros urbanos brasileiro, em particular, num primeiro momento, os mais afeminados deles. As imagens da travesti/transexual, assim como a dos "transformistas" e das "caricatas" iriam povoar as festividades carnavalescas. A partir da aparição do modelo "gay" norte-americano – o macho man que lutava por direitos iguais para homossexuais e heterossexuais na linha dos movimentos de liberação sexual da década de 1970 – surgiu no Brasil a imagem do "entendido", com seus locais de encontro, bares e restaurantes, boates noturnas, saunas e cinemas "de pegação", o trecho "gay" da praia de Copacabana, os bailes carnavalescos Gala Gay, a Banda de Ipanema e a invasão do universo das escolas de samba dirigidas por carnavalescos como Joãosinho Trinta. O ponto culminante desse período foi a primeira metade da década de 1980, notadamente com a aparente aceitação de homossexuais em todos os níveis da vida social, sobretudo no que diz respeito ao lazer e, particularmente, ao carnaval.

Mas, surge e se difunde a AIDS, principalmente na segunda metade da década de 1980, reforçando, de maneira crescente e contundente, o interesse de jovens e menos jovens pelos cuidados corporais, iniciado já na década anterior – academias e energéticos ajudam a caracterizadores de uma corporeidade mais homogênea. Enquanto isso, as aparências e as imagens de si diversificam-se e heterogeneízam-se em razão da multiplicação das referências culturais e de uma espécie de "excesso" identitário que parecem marcar esse período. Assim, aparece com mais força, na década de 1990, o que chamei de imagens identitárias, visando dar conta da fluidez processual das formulações e das reformulações das aparências e das imagens de si identificadoras.

Mais particularmente, aparecem as imagens identitárias que traduzem, ressignificam e "tropicalizam" o movimento queer norte-americano, associadas ao que designo de "cultura GLS": barbies e drag queens apostam nas aparências mais do que em qualquer outra imagem identitária, notadamente nos bares e nos restaurantes do Baixo Botafogo Gay, num primeiro momento e, em seguida, no eixo ipanemense Farme de Amoedo/Teixeira de Mello. Mas também nas praias de Ipanema e da Barra da Tijuca, nas festas rave realizadas em locais insólitos, onde se escuta música eletrônica e se veneram DJs, nos sites especializados da Internet, nos eventos "alternativos" ou off do carnaval, nas Bandas Carmen Miranda e de Ipanema, nas escolas de samba, como Estácio de Sá, União da Ilha e São Clemente.

As travestis opõem-se às "barbies" como duas extremidades do "mundo gay", reivindicando sua "particularidade" homossocial, às vezes sua "diferença" ou "condição" (retiram-se assim desse "mundo" aqueles que mantêm relações sexuais com homens e vivem num universo heterossocial sem se identificarem como homossexuais). As travestis, tornando extrema a feminilidade, parecem viver entre a homossocialidade de situação e a heterossocialidade desejada. As "barbies", por sua vez, tornando extrema a virilidade, parecem viver entre a heterossocialidade de situação e a homossocialidade desejada. Estruturalmente, travestis e "barbies" acabam por se evitar no cotidiano. As imagens viris mais próximas das travestis são aquelas do "michê" e do "boy", enquanto as imagens femininas mais próximas das "barbies" são as das drag queens. O carnaval lança "pontes" entre as diversas formas de homossocialidades e as de heterossocialidades. Essas "pontes" ou relações seriam o locus das formulações identitárias.

As barbies e os adeptos da "cultura GLS" opõem-se às travestis e aos transexuais, assim como a Banda Carmen Miranda e o bloco Simpatia É Quase Amor opunham-se à Banda de Ipanema e aos Blocos das Piranhas dos subúrbios. Da mesma maneira, as "festas off " e "alternativas" contrapunham-se aos bailes Gala Gay, e os ensaios de escolas de samba de "tipo antigo" (Beija-Flor, Mocidade etc.) opõem-se aos ensaios das escolas de "tipo novo" (São Clemente, Unidos da Tijuca etc.); ou Milton Cunha e Paulo Barros estabelecem confronto estético em relação a Joãosinho Trinta e a Rosa Magalhães...



Existe espaço no carnaval para representações homossexuais que não passem pelo anedótico ou pelo estereótipo?

Sim, claro, mas... o que são estereótipos? Quem os define, senão aqueles que criam e recriam classificações legitimadoras e "deslegitimadoras" para classificar-se, a si mesmo ou aos seus próximos, reclassificando e desclassificando o outro, num processo social incessante bem definido pelo sociólogo e antropólogo Pierre Bourdieu? Como todo ritual, o carnaval, para a construção social e a formulação cultural das identidades ou imagens identitárias, como um desses espaços-tempo de classificação, reclassificação e desclassificação.



Quem são as pessoas que você entrevistou em sua pesquisa, e qual a importância desses relatos para seu livro?

Para a dissertação de mestrado e a tese de doutorado, realizei observações sistemáticas em ensaios e desfiles de escola de samba, bailes e festas alternativas carnavalescas e "saídas" de blocos e bandas. A partir do mapeamento dessas "situações ritualizadas", escolhi algumas pessoas que me pareciam interessantes para meu objetivo – compreender o sentido do carnaval – e fui entrevistá-las. Não entrevistei somente pessoas que se diziam homossexuais, mas também diversas pessoas que, mesmo sem se dizer homossexuais, poderiam me ajudar a entender o sentido do carnaval para os homossexuais. Foram entrevistados, então, desde pessoas que compravam fantasias para desfilar em escolas ou participavam com assiduidade ou não dos ensaios, até organizadores de festas alternativas carnavalescas e criadores de bandas, passando por diretores de alas de escolas de samba, passistas, carnavalescos, etc. As entrevistas eram do tipo biográfico e os relatos das vidas dessas pessoas – alguns deles inseridos no livro – ajudam a delimitar processos de mudança na percepção do carnaval que, a meu ver, têm a ver com mudanças mais globais da sociedade como um todo.



Seria justo dizer que o carnaval é um período de maior visibilidade e aceitação dos homossexuais? Essa liberalidade temporária tem algum significado para além da festa?

Sim, justíssimo! O carnaval parece apresentar-se como um conjunto de situações ritualizadas inseridas num ciclo mais amplo que engloba ritualidades diversas – eu chamei esse ciclo de ciclo festivo do verão. No interior dessas situações ou desses contextos de interação, algumas relações são possíveis, outras impossibilitadas, estando essas relações na base de formulações de ordem identitária. As situações ritualizadas parecem potencializar o encontro de "mundos" diferentes que, através desse encontro, forjam e reforçam o que os torna diferentes, variados, heterogêneos e até mesmo complementares. Então, o carnaval pode ser visto como um conjunto ritual de integração que permite e torna possível simbolicamente a participação de todas as camadas sociais e de todas as formas de "marginalidade" ou "alteridade" em uma quantidade maior de "mundos", situações e contextos de interação, para além daqueles aos quais elas estão submetidas na vida ordinária – homens que mantêm relações sexuais preferencialmente com homens podem participar de manifestações que os tornam visíveis a todos sem que, dentro de certos limites, isto seja "chocante" ou "malvisto" pelos demais participantes. A integração se faz, portanto, no interior de certos limites temporais e espaciais. Mas a partir daí estariam sendo lançadas as bases de uma mudança constante de ordem política mais global. Afinal, todo ritual cria experiência.

Um Brasil à française

 valor online, 27/02/2009

Um Brasil à française
Por Vanessa Barone e Raquel Landim, de São Paulo

 

 
Foi com misto de espanto e desejo que os franceses olharam pela primeira vez para o recém-descoberto Brasil, com sua natureza exuberante, rica do pau-brasil - útil para a indústria têxtil francesa -, e uma vida selvagem de fazer corar os pálidos rostos das nobres francesas. Por um bom tempo, foi assim: fornecíamos o exotismo e eles, a civilidade. Como toda relação que sobrevive ao tempo, ela evoluiu e causou impacto sobre a sociedade brasileira em vários aspectos - a começar pela língua, passando pela filosofia e as ciências humanas, além da moda, da literatura, das artes plásticas, gastronomia, arquitetura, do cinema, da política e da economia. "Em todas as épocas, a França esteve presente em nossa história como sinônimo de civilização e cultura", diz Mary Del Priore, historiadora com pós-doutorado na França e autora de "Revisão do Paraíso: os Brasileiros e o Estado em 500 Anos de História".
 
Vale do Anhangabaú, em São Paulo, na década de 40: fotografia do francês Pierre Verger integra o calendário "Fotógrafos Franceses em São Paulo", editado pela Imprensa Oficial

Neste ano, a aproximação francesa com o Brasil certamente será maior com a programação que marca o Ano da França no Brasil. Entre 21 de abril e 15 de novembro, o país vai receber exposições de artes plásticas, espetáculos musicais e de dança, mostras de cinema, eventos literários e festivais gastronômicos, que deverão expor - e em alguns casos revitalizar - o fascínio que a França sempre exerceu sobre o Brasil. Os eventos culturais, no entanto, não vão ocorrer isolados da agenda político-econômica. Em 7 de setembro, o presidente Nicolas Sarkozy visitará o Brasil pela segunda vez em menos de um ano, um sinal de reestreitamento. Afinal, as relações entre as duas nações são antigas. A Câmara de Comércio França -Brasil, por exemplo, foi criada na virada do século XX e o Instituto de Alta Cultura Franco-Brasileiro, em 1922.

Ao longo dos anos, porém, a força dessa troca político-cultural se dissipou. Depois da Segunda Guerra, os Estados Unidos conquistaram o espaço paradigmático que pertencia à França na economia, na política e na cultura brasileiras, e se consolidaram como a grande referência mundial. "Vivemos a época da cultura anglófona e a colaboração cultural e artística entre Brasil e França é bem menor do que já foi no passado", diz Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia da Universidade de São Paulo (USP).

No entanto, apesar de hoje o Brasil ser o grande emergente na principal área de influência dos Estados Unidos, a França é que desponta como aliada nas ambições de sua política externa. O embaixador francês em Brasília, Antoine Pouillieute, é categórico ao afirmar que a França apoia o Brasil em seu objetivo de ter um papel na governança mundial do século XXI.
 
Rua 3 de Dezembro, no centro de São Paulo, em registro do fotógrafo francês Jean Mazon, que morou no Brasil nos 1940, para onde se mudou quando tinha 25 anos

A admiração do Brasil pela cultura francesa ganhou peso em 1808, com a vinda da família real portuguesa para o Rio, ela própria fortemente influenciada pelos hábitos e costumes de Paris. Segundo Mary Del Priore, com a abertura dos portos, o Brasil recebeu artistas, cozinheiros, modistas, representantes de indústrias e também emigrados ilustres, vindos da França, o que aumentou a influência por aqui. "A língua diplomática e literária colaborou ainda mais para irradiar sua presença entre nós", diz Mary. A partir dessa fase, na Biblioteca Nacional, os volumes mais consultados passaram a ser os de Alexandre Dumas (1802-1870), Paul Verlaine (1844-1896) e Victor Hugo (1802-1885).

Nessa época, a França era o modelo para a alta burguesia brasileira, que durante décadas se sentiu quase como uma colônia parisiense. Na maioria das escolas, o ensino do francês passou a ser obrigatório e as ciências humanas brasileiras ganhavam musculatura com o pensamento da terra de Voltaire. Na corte, os cardápios eram escritos em francês. Daquela época foram herdados os molhos maionese, madeira e béchamel, além das técnicas - que vão da maneira de preparar guisados ao estilo de criar molhos. A confeitaria de bolos hoje feita no Brasil também tem suas raízes na França, com itens que nunca saíram dos cardápios, como o coq au vin, o escargot, o croissant e o mil-folhas (mille-feuilles).
 
O Viaduto do Chá, idealizado pelo francês Jules Martin, é fotografado por seu campatriota Pierre Verger, na década de 40
 
 
 
 
 

Outra herança daquele período de hegemonia francesa é a linguagem arquitetônica, uma das que melhor captaram a essência dessa fase. Os traços "à française" encaixam-se, principalmente, em quatro escolas: o neoclássico, o eclético, o art nouveau e o moderno. O necolássico surgiu justamente com a chegada da Missão Francesa, a convite de dom João VI, pouco depois de sua mudança para o Rio. O grupo de artistas foi comandado por Grandjean de Montigny (1776-1850), o primeiro professor oficial de arquitetura no Brasil. Montigny foi o principal responsável por projetos que reproduziam cânones do neoclássico francês, o mais moderno de seu tempo, na corte tropical. Essa inclinação francesa pode ser verificada também em edificações posteriores, iniciadas com a renovação urbana carioca do início do século XX.

Antes de participar da Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio, entre 1875 e 1876, o então jovem engenheiro Francisco Pereira Passos (1836-1913) esteve em Paris para aperfeiçoar-se na prestigiosa École des Ponts et Chaussées. Na mesma época, o barão Haussmann (1809-1891), responsável pela reforma urbana de Paris entre 1853 e 1870, reformulava a capital francesa. "O plano de reformas do Rio fracassou, mas o paisagista Auguste François Marie Glaziou [paisagista bretão] conseguiu transformar o campo de Santana num arremedo do famoso Bois de Boulogne, de Paris", afirma Mary Del Priore.

 
 
Anos mais tarde, entre 1902 e 1904, já como prefeito, Pereira Passos resolveu criar uma "Paris-sur-mer", respondendo às aspirações de uma elite que desejava dar nova feição ao país. Abriram-se novas avenidas - a imponente avenida Central e o início da Atlântica - e rasgaram-se túneis - como o do Leme -, arrasaram-se cortiços na Cidade Velha e edificaram-se prédios monumentais, no apreciado estilo eclético tão em voga nas capitais europeias. "A ideia era tornar o Rio uma metrópole glamourizada pela decoração, portanto, uma Paris à beira-mar", afirma Mary.
 
Vista do prédio da Light e do Viaduto do Chá, em São Paulo, em registro de Pierre Verger: exposição com seus trabalhos integra a programação do Ano da França no Brasil

Enquanto isso, em São Paulo, a elite que enriquecia por causa do café também procurava reproduzir os hábitos franceses. Muitos filhos de fazendeiros ou da burguesia da capital estudavam na França e falavam o idioma. A arquitetura que dominava a paisagem paulistana também tinha sotaque: a Estação Júlio Prestes, a Catedral da Sé e o Palácio Campos Elíseos são exemplos contundentes dessa era. O francês Jules Martin (1845-1935), que idealizou o Viaduto do Chá, e o brasileiro Ramos de Azevedo (1851-1928), que projetou o Teatro Municipal, a Pinacoteca do Estado e o Mercado Municipal, são dois nomes importantes da escola eclética paulistana. Ramos de Azevedo estudou na Bélgica e teve mestres franceses.

O curioso na apropriação da estética francesa pelo Brasil é que, na década de 40, a força cultural da Europa era tão grande que o país absorveu movimentos franceses que o próprio continente rejeitava. É o caso da arquitetura moderna desenvolvida por Le Corbusier (1887-1965), que orientou vários arquitetos brasileiros, como Lúcio Costa (1902-1998), Carlos Leão (1906-1983) e Oscar Niemeyer. O estilo moderno surgiu logo depois do art déco no país. "Em 1944, o Brasil era uma referência nesse estilo de arquitetura", diz a professora Maria Lucia Bueno, doutora em sociologia e fundadora do mestrado acadêmico em moda, cultura e arte do Centro Universitário Senac.

Mas um dos pontos mais importantes do movimento modernista no Brasil havia começado anos antes, com a Semana de Arte Moderna de 1922, também de inspiração francesa. A sugestão de realizá-la partiu da francesa Marinette Prado, mulher do mecenas Paulo Prado, que se espelhava na Semana de Deauville. Idealizado por Di Cavalcanti (1897-1976), o movimento teve participação de Tarsila do Amaral (1886-1973), Anita Malfatti (1889-1964), Victor Brecheret (1894-1955), entre outros, que estudaram em Paris, com bolsas patrocinadas pelo governo de São Paulo.
 
O francês Claude Lévi-Strauss fotografa o carnaval paulistano na avenida São João, no centro da cidade, em 1937

Tarsila é considerada uma das artistas que melhor souberam traduzir essa influência nos movimentos artísticos brasileiros. Construiu seu repertório em escolas e ateliês de Paris, como a prestigiada Academie Julian, e foi ainda uma das primeiras artistas do país a ter quadros expostos na capital francesa. O escritor modernista Oswald de Andrade (1890-1954), um dos articuladores da Semana de Arte, que também viveu na França, chegou a escrever uma referência à francesa no "Manifesto do Pau-Brasil": "Os alfandegários de Santos examinaram minhas malas, minhas roupas. Mas se esqueceram de ver o que eu trazia no coração. Uma saudade feliz, de Paris."

No início da década de 30, um passo determinante para o fortalecimento desse ideário francês no Brasil foi dado pela escola filosófica francesa, que ajudou a constituir a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a espinha dorsal da USP. Durante quase quatro décadas, o Departamento de Filosofia da USP teve professores franceses remunerados, pelo menos parcialmente, pelo governo da França.

O peso da cultura do país era tão grande nas salas de aula que os mestres ministravam seus cursos na língua de Flaubert. Entre os professores estavam mitos da intelligentsia europeia, como Gilles-Gaston Granger, Claude Lefort, Fernand Braudel (1902-1985), Lucien Febvre (1878-1956) e Gérard Lebrun. "A filosofia ali ensinada era rigorosa, republicana e talvez de esquerda", observa Renato Janine Ribeiro. "O caráter republicano era tipicamente o da 3ª República Francesa, com seus valores de educação universal, de laicidade do Estado e de incorporação das massas na cidadania."

A participação dos professores franceses na vida acadêmica da USP, segundo Janine, pode ser dividida em dois tempos. A primeira fase ocorreu na década de 30, quando os jovens Roger Bastide (1898-1974), Claude Lévi-Strauss e Jean Maugüé destacaram-se como professores de ciências humanas. "O professor convidava seus estudantes a uma imersão na cultura: assistiam a filmes, a peças de teatro, liam romances e os comentavam com o professor." Essa etapa, observa, foi vital para a formação de uma geração extremamente criativa na cena intelectual do Brasil.

O mais celebrado professor dessa geração é, sem dúvida, Lévi-Strauss, que no fim do ano completou 100 anos, em Paris, onde mora. Considerado o antropólogo mais importante do século XX, o autor de "Tristes Trópicos" deu aulas na USP por três anos, de 1935 a 1938. Nesse período, organizou uma lendária expedição etnográfica a Mato Grosso, onde estudou os índios cadiuéus e os bororos.

A segunda etapa, mais científica, foi introduzida por professores com uma convicção estrita do que é a filosofia. "Há de se destacar a participação de Michel Debrun, que lecionaria até o fim da vida na Unicamp, e de Gérard Lebrun, na 'Revista Brasilense' e nas discussões políticas prévias ao golpe de Estado de 1964'", diz Ribeiro.

Outros nomes que colaboraram para a construção do pensamento nacional são os dos filósofos Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Simone de Beauvoir (1905-1980), que em 1960 desembarcaram no Brasil. Além do casal existencialista, Danielle Ancier - hoje Rancière - e Jean Galard, mais tarde diretor do serviço cultural do Museu do Louvre, também fizeram a cabeça dos intelectuais brasileiros.

O apogeu dessa presença francesa na universidade daqui se deu em 1966, quando o jovem - e já polêmico - Michel Foucault (1926-1984) ministrou um curso, com abordagem estruturalista, sobre o assunto do livro que publicaria no ano seguinte: "As Palavras e as Coisas".

A partir da década de 70, porém, o vínculo francês começou a diminuir. Primeiro, o governo passou a manter apenas duas cátedras na Faculdade de Filosofia da USP, depois a reduziu para apenas uma cadeira e a fez itinerar por Campinas antes de extingui-la definitivamente. Ainda assim, os professores franceses teriam cumprido um papel determinante em dois planos principais: na formação técnica dos alunos e na formação de um ideal de intelectual atuante na cena pública, cidadãos em contato com a sociedade. "Dessa forma, o legado francês na filosofia brasileira continua tendo a sua importância", afirma Janine.

Assim como na filosofia, a influência francesa no campo da estética foi determinante no Brasil e seu legado ainda é visível. Berço da alta-costura e das maisons de maior prestígio do mundo, como Christian Dior (1905-1957) e Coco Chanel (1883-1971), a França, é claro, tem uma relevância extraordinária na construção do imaginário fashion nacional - e ocidental. Mas antes desses dois ícones, Mary Del Priore relembra o peso de Paul Poiret (1879-1944), que desfolhou os grandes vestidos rodados e elegeu a imagem da mulher-sílfide, longilínea e magra, em oposição às curvilíneas do fim do império. Em pleno início do século XX, Poiret afrouxou a silhueta e propôs novas modelagens, como as calças de odaliscas e os vestidos em forma de quimonos.

A libertária Coco Chanel seguiu revolucionando a roupa feminina, propondo um vestuário menos rígido e mais casual, que se utilizava de tecidos pouco nobres - caso do jérsei, usado por ela para confeccionar vestidos, que até então só era usado para fazer lingeries. Coco adaptou peças do guarda-roupa masculino para o feminino, como o suéter - que nos trajes delas era usado sobre saia reta. O visual ornava com a aparência pessoal da estilista, que era magra, de seios pequenos e cabelos curtos, "à la garçonne".

"A América é a grande responsável pela difusão da moda francesa nesse momento", diz Maria Lucia Bueno. A moda casual, com toques esportivos, feita por Coco Chanel, foi muito valorizada no novo continente. Até os anos 60, a moda francesa ditou o gosto não só no Brasil, mas no resto do mundo. "Para se ter uma ideia, na década de 20, 70% da produção da alta-costura francesa era exportada."

Na época, as elites brasileiras e americanas consumiam o prêt-à-porter de luxo, que chegava pelos grandes magazines. "As casas francesas de moda, como a Lanvin, tinham representantes no Brasil, e o Masp tinha uma escola de moda que mostrava os desfiles de Elsa Schiaparelli [1890-1973] e Christian Dior."

Esse fenômeno começou a configurar-se de outra forma a partir da década de 60, quando a moda passou a buscar suas referências no comportamento jovem. "A partir daí, não foi mais somente a elite a ditar o que era chique e a moda passou a ser vista como elemento de identidade de um grupo."

A presença da França ainda é forte na cultura nacional quando se pensa em moda de luxo, apesar de, atualmente, à frente das maisons tradicionais estarem criadores ingleses - John Galliano, na Dior -, alemães - Karl Lagerfeld, na Chanel - e americanos - Marc Jacobs, na Louis Vuitton.

No cinema, o período de maior irradiação da produção francesa foi durante a nouvelle vague, nos anos 60. Cineastas como Jean-Luc Godard e François Truffaut (1932-1984), que realizavam um cinema mais autoral, foram os que mais marcaram o cinema brasileiro, sobretudo com os filmes que fizeram no início da década, avalia o crítico Inácio Araújo. "O diretor Davi Neves tem muito a ver com Truffaut; Rogério Sganzerla [1946-2004] e Carlos Reichenbach têm muito a ver com Godard, apesar de essa influência ser difusa e estar misturada com outras, vindas do cinema italiano, do europeu de forma geral e do americano", analisa Araújo.

E antes que alguém desconfie de que o Ano da França no Brasil esconde tão-só um novo olhar de cobiça, como foi em meados de 1500, a curadora-geral do evento, Anne Louyot, esclarece: "A França não quer dominar, quer compartilhar. Podemos trabalhar juntos em vários campos, como na arquitetura e na moda sustentável." E, de quebra, saborear juntos o que França e Brasil têm de melhor.