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''Os livros são de autoajuda para quem os escreve''

15 de março de 2009  Jornal Estado de SP

''Os livros são de autoajuda para quem os escreve''

Chacal, POETA E MÚSICO

 

Nascido Ricardo de Carvalho em 1951, no Rio, estreou aos 20 anos com um livro mimeografado, Muito Prazer, Ricardo, e mudou o cenário da poesia brasileira, tornando-se conhecido por sua irreverência, inventividade e pelo nome de Chacal. Também é reconhecido como músico e letrista por parcerias com Lulu Santos, 14 Bis, Blitz, Barão Vermelho, entre outros. Da sua obra poética podem ser citados Vertentes (1975); 17 Peças (1983); Inscrições (1992); Dois Poemas Estrangeiros (1995); Poemas Anteriores (1998) e Práticas de Extravio (2003).

Que livro você mais relê? E qual a sua impressão das releituras?

Estrela da Vida Inteira, de Manuel Bandeira. Uma bíblia.

Dê exemplo de um livro bom injustiçado pelo público ou pela crítica.

Conversas Sobre o Invisível, de Jean-Claude Carrière, Michel Cassé e Jean Audouze.

Cite um livro que frustrou suas melhores expectativas.

Sargento Getúlio, de João Ubaldo. Não consegui vencer os primeiros capítulos. Tentarei de novo algum dia.

E um livro surpreendente, ou seja, bom e pelo qual você não dava nada.

Arranjos para Assovio, de Manoel de Barros.

A boa literatura está cheia de cenas marcantes. Cite algumas de sua antologia pessoal.

Diadorim era ela em Grande Sertão: Veredas. Uma revelação que faz reler o livro.

Que personagens são tão marcantes que ganham vida própria na sua imaginação de leitor?

Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade. Esse impagável cidadão passou a andar para todo canto comigo.

Cite um livro bom, mas que lhe fez mal, de tão perturbador?

On the Road, Jack Kerouac. Fiquei atordoado pela agitação de Dean Moriaty. Vertigem total.

E que livro mais o fez pensar?

Conversas Sobre o Invisível. O micro e o macro. Ciência e religião podem jogar juntas.

De qual autor você leu tudo, ou quase tudo? Qual o motivo do interesse que ele desperta em você?

Guimarães Rosa. Sua sintaxe, seus neologismos. O som de suas palavras se materializa.

Há algum autor como o qual não perderia seu tempo?

Não. Há muito autor para se perder deliciosamente o tempo todo.

Cite um livro que foi fundamental em sua formação, mesmo que hoje você não o considere tão bom como na época em que o leu.

Macunaíma, de Mário de Andrade. Tentei relê-lo. Não desceu como antes. Ele tem a ver com o contexto exterior.

Você considera a literatura policial é um gênero menor? Se a resposta for negativa cite um livro maior do gênero. Se for positiva, diga por quê.

Não. A Grande Arte, de Rubem Fonseca. Tudo na medida certa: linguagem, história.

Os livros de autoajuda são mesmo todos ruins, ou isso é puro preconceito da crítica? Caso goste de algum deles, poderia citá-lo e justificar sua preferência?

Todos os livros são de autoajuda para quem os escreve.

Cite:

a) Um livro meio chato, mas bom.


O Físico, de Noah Gordon. Longo, mas delicioso.

b) Um livro que você acha que deve ser muito bom mas jamais leu

Ulisses, de James Joyce. Preciso me preparar física e mentalmente. Não dá para ler num tiro só.

c) Um livro que você considera difícil, mas indispensável.

Sexo, de André Sant?Anna. A linguagem num parque de diversão.

d) Um livro que começa muito bem e se perde no caminho.

A Fúria do Corpo, de João Gilberto Noll. A vertiginosa narrativa não tem ponto de corte.

g) Um livro pior do que o filme baseado nele.

Do Androids Dream of Electric Sheep?, de Philip K. Dick, que gerou o incomparável Blade Runner.

Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?

A Fúria do Corpo, de João Gilberto Noll. O livro pode ser terminado pelo menos três vezes.

Que livros contrariam suas convicções, mas ainda assim você julga de leitura imprescindível?

Polígono das Secas, de Diogo Mainardi. Um livro pervertidamente divertido.

Cite exemplos de livros assassinados pela tradução e exemplos de boas traduções.

O Uivo, de Allen Ginsberg. Podia ser transcriado. Uma tradução mais adaptada à fala presente. Maiakovski por Boris Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos.

A literatura contemporânea é muito criticada. Que livro (s) publicado (s) nos últimos dez anos mereceria, para você, a honraria de clássico?

O Elefante, de Francisco Alvim. Chico inventa um poema que é quase fala, quase um recorte de um fraseado.

Para que clássico brasileiro, de qualquer tempo, você escreveria um prefácio incitando a leitura?

Memórias Póstumas de Brás Cuba, de Machado de Assis. É moderníssimo. Cinema de invenção.

Que livros (brasileiros ou estrangeiros) sempre presentes nos cânones não mereceriam seu voto? E um sempre ausente no qual votaria?

O Guarani, de José de Alencar. Perdeu-se no tempo. Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo, um clássico. Odisseia brasileira.

Sobre a crítica:

a) Que livro festejado pela crítica você detestou?


Pergunte ao Pó, de John Fante. Não sai do chão.

b) E de que livro demolido por críticos você gostou?

Proibidão, de Marcelo Mirisola. Desaforado andarilho do calçadão da Avenida Atlântica.

c) Quais bons autores você só descobriu alertado pela crítica?

Oswald de Andrade. A reedição de sua obra promovida por Haroldo e Augusto de Campos.

Cite um vício literário que você considera abominável.

Elogia-me que eu te elogiarei.

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