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Ficção nacional que cruza fronteiras

 
 Ficção nacional que cruza fronteiras

Pesquisadores de diversos países apontam caminhos, desde dicionários bilíngües até programas de incentivo mais agressivos

Ubiratan Brasil

 
 
Enquanto os Estados Unidos assumem o primeiro posto entre os países que mais estudam a literatura brasileira, a Alemanha reserva meros 7% de seu imenso mercado editorial para a tradução de livros de escritores do Brasil. As constatações, entre outras também surpreendentes, fazem parte das primeiras conclusões obtidas pelo projeto Conexões, mapeamento internacional da literatura brasileira promovido pelo Itaú Cultural. Nos últimos meses, pesquisadores, tradutores e estudiosos de diversos países foram consultados sobre a percepção e o conhecimento da escrita literária nacional. "Já recebemos 72 questionários e, até dezembro, aguardamos mais 20", comenta Claudiney José Ferreira, gerente do Núcleo de Diálogos do Itaú Cultural.

Trata-se de um trabalho inédito, que busca clarear a real importância que a literatura brasileira ocupa no exterior. As primeiras informações serão divulgadas em um simpósio na Universidade de Salamanca, na Espanha, que acontece no dia 21. E, no ano que vem, provavelmente em agosto, acontece um congresso internacional em Chicago, nos Estados Unidos, a fim de apresentar o projeto para a comunidade acadêmica norte-americana. "E temos planos ainda para realizar o mesmo em Londres e em um país da América Latina", diz Ferreira.

As primeiras conclusões são animadoras. Segundo apontam os questionários, a quantidade de traduções vem aumentando, especialmente de autores contemporâneos e não apenas de clássicos ou best sellers, como Paulo Coelho. "O conhecimento é muito mais amplo e inclui escritores que surgiram mais recentemente, como Milton Hatoum, João Gilberto Noll, Luiz Ruffato, além de nomes mais jovens como Adriana Lisboa, Bernardo de Carvalho."

Escritores tradicionais, é claro, continuam puxando a fila, garantindo a presença permanente da literatura brasileira nos estudos e pesquisas estrangeiros. Mas, entre nomes esperados (como Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Rubem Fonseca), surgem outros que mesmo no Brasil já não têm a mesma repercussão. É o caso de José Mauro de Vasconcelos, autor de Meu Pé de Laranja Lima, clássico juvenil. "Ele é muito respeitado e traduzido especialmente no Leste Europeu, onde até é adotado em escolas", conta Ferreira, que ensaia algumas explicações. "Trata-se de uma visão nada exótica do Brasil."

O mapeamento permite também rascunhar motivos do sucesso planetário de Paulo Coelho entre os críticos estrangeiros, situação que não acontece no Brasil. "Para os resenhistas daqui, a obra dele resvala na auto-ajuda enquanto, na Europa, Coelho é considerado escritor de ficção."

Os problemas ocupam, no entanto, espaço essencial. O relativo interesse pela língua portuguesa no mundo é um dos principais entraves. Pesquisadores europeus e norte-americanos apontam o espanhol como língua latina de ponta, o que acaba ofuscando as demais. "O trabalho feito por institutos culturais como o Cervantes, é muito poderoso e faz com que o idioma espanhol ganhe um espaço precioso", comenta Ferreira. "A embaixada espanhola produz uma lista de livros novos publicados em seu país e envia às editoriais inglesas, além de divulgar em seu website", completa Margaret Jull Costa, que faz traduções para o inglês.

Claudiney Ferreira não confirma, mas há um outro entrave, provocado pelos portugueses. De acordo com alguns pesquisadores, que comentam informalmente, a divulgação maciça da literatura brasileira, reconhecidamente vibrante e conectada aos problemas atuais, poderia atropelar a portuguesa que, embora viva um momento de renovação, talvez tenha chances mais reduzidas em relação à da antiga colônia.

A tímida ação governamental também é lembrada pelos pesquisadores consultados. Todos são unânimes em apontar a necessidade de se implantar um plano que facilite a tradução de obras nacionais para diversas línguas. E a divulgação dos livros exige um projeto mais elaborado - para eles, o Brasil deveria considerar o Instituto do Livro e o Instituto Camões em Portugal como modelos a serem seguidos.

"Apenas alguns escritores brasileiros de destaque são traduzidos para o inglês, enquanto vários autores excelentes não têm nem chance de serem considerados", observa Alison Entrekin, responsável por versões em inglês. "As editoras investem no marketing de escritores cujos livros tiveram boas vendas no Brasil. A ironia é que alguns dos menos conhecidos têm muito mais a ver com o de língua inglesa do que aqueles que as editoras promovem."

Além do foco, as escassas ferramentas de trabalho são outra fonte de queixas. Os profissionais que trabalham com literatura brasileira no exterior são unânimes em elogiar dicionários como o Aurélio e o Houaiss, mas reclamam de não dispor de bons exemplares bilíngües. "Eles sentem falta, por exemplo, de um dicionário inglês-português do Brasil, capaz de dirimir dúvidas sobre a língua falada em nosso País e não em Portugal", observa Ferreira.

Fórmulas de sucesso são outro caminho a ser evitado. Pesquisadores e tradutores comentam que a literatura brasileira precisa manter sua autenticidade e jamais adotar esquemas que fazem sucesso lá fora. "Não adianta tentar copiar Borges nem Cem Anos de Solidão", acredita Regina Machado, que vive na França. "Receitas já provadas não voltam a atuar, mas talvez possam nos ajudar a estender à nossa vasta paisagem humana e literária o olhar que alguns escritores souberam lançar sobre sua própria realidade."

A grande diversidade lingüística, o uso incrível da coloquialidade, além de uma interessante e fluida liberdade de expressão são, no entender do tradutor Alex Levitin, as principais qualidades da escrita brasileira que a distingue das demais literaturas.

Virtudes também encontradas em outros meios de expressão, como o cinema, que conquista terreno com mais sucesso e velocidade que a literatura. Assim, a fama dos filmes brasileiros deveria ser utilizada como plataforma para espalhar a obra de autores nacionais, no entender do americano Ross G. Forman, que vive em Cingapura, onde divulga, com dificuldade, autores do Brasil.

Apesar de tantos empecilhos, os primeiros resultados do Conexões são animadores. "A presença da literatura brasileira no exterior é superior ao que usualmente imaginamos", comenta Ferreira. "E há um grande interesse pela escrita contemporânea - os clássicos decerto são estudados, mas os brasilianistas demonstram cada vez mais preocupação com o aqui e agora da literatura brasileira."
 
(Estado de SP -  03 nov 2008)

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