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Um pouco de Roland Barthes

(in Fragmentos do Discurso Amoroso, 13ª ed., 1995 - Ed. Francisco Alves - pg.98)

Sobre "Eu-te-amo"

"Passada a primeira confissão, "eu te amo" não quer dizer mais nada; apenas retoma de um modo enigmático, de tanto que ela parece vazia, a antiga mensagem (que talvez não tenha passado por essas palavras). Eu o repito fora de toda pertinência; ele sai da linguagem, divaga, onde?
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Eu-te-amo não tem empregos. Essa palavra, tanto quanto a de uma criança, não está submetida a nenhuma imposição social; pode ser uma palavra sublime, solene, frívola, pode ser uma palavra erótica, pornográfica. É uma palavra que se desloca socialmente.

Eu-te-amo não tem nuances. Dispensa as explicações, as organizações, os graus e os escrúpulos. De uma certa forma - paradoxo exorbitante da linguagem -, dizer "eu-te-amo" é fazer como se não existisse nenhum teatro da fala, e é uma palavra sempre verdadeira (não tem outro referente a não ser seu proferimento: é um performativo).


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Eu-te-amo - Eu-também

Eu fantasio aquilo que é empiricamente impossível: que nossos dois proferimentos sejam ditos ao mesmo tempo; que um não suceda ao outro, como se dependesse dele. O proferimento não devia ser duplo (desdobrado): só lhe convém o clarão único, onde duas forças se reúnem (separadas, desencontradas, elas não passariam de um comum acordo). O clarão único realiza, pois, essa coisa rara: a abolição de toda contabilidade. A troca, o dom, o roubo (únicas formas conhecidas da economia) implicam, cada um a seu modo, objetos heterogêneos e um tempo desencontrado: meu desejo em troca de outra coisa - e o tempo de que se precisa para a transmissão. O proferimento simultâneo funda um movimento cujo modelo é socialmente desconhecido, impensável; nosso proferimento, que não é troca, nem dom, nem roubo, surge de fogos cruzados, designa um gasto que não recai em lugar nenhum e do qual todo pensamento de reserva é abolido pela própria comunidade: entramos um pelo outro no materialismo absoluto."

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