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Revista Metropole
Conhecimento público
A Unicamp é hoje um centro de preservação da história científica, política e intelectual do País. Tesouros mantidos em bibliotecas, acervos, coleções e fundos estão ao alcance de qualquer interessado
Renata Freitas
rfreitas@rac.com.br
A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) completa 40 anos na próxima quinta-feira e mostra que está mais em forma do que nunca, especialmente no que diz respeito à preservação e à disseminação de seu patrimônio científico e cultural. A instituição possui um acervo com 700 mil livros em suas 24 bibliotecas, além de fundos e coleções raras de personalidades das mais variadas áreas do conhecimento.
Nas prateleiras de bibliotecas e arquivos da universidade, há obras de enorme relevância histórica que retratam o desenvolvimento do País. Fundos e coleções pertencentes a grandes nomes como o historiador Sérgio Buarque de Holanda, o físico César Lattes, o pensador anarquista Edgard Leuenroth, os escritores Oswald de Andrade, Monteiro Lobato, Hilda Hilst e a personalidades de vulto na história regional, a exemplo de Francisco Glicério, Ruy Rodrigues e Theodoro de Souza Campos Júnior fazem parte desse acervo de valor inestimável.
O material precioso já rendeu incontáveis pesquisas de alunos e professores, que resultaram em trabalhos de iniciação científica, dissertações de mestrado, teses de doutorado e até livros. "Só a obra de Sérgio Buarque de Holanda já gerou mais de dez teses e três livros", diz o coordenador do Sistema de Bibliotecas da Unicamp, Luiz Atílio Vicentini.
No setor de Coleções Especiais da Biblioteca Central César Lattes há 13 coleções que pertenceram a personalidades da vida acadêmica brasileira e reúnem mais de 40 mil volumes. A maior parte é na área de ciências humanas, exceto a coleção de César Lattes, físico e professor da Unicamp.
Além de Lattes, figuram neste setor coleções de Sérgio Buarque de Holanda; de Alexandre Eulálio, crítico literário e também professor da Unicamp; de Aristides Cândido de Mello e Souza, médico reumatologista; e de Peter Eisenberg, historiador e brasilianista norte-americano e professor da Unicamp, entre outras. Até um acervo de gibis antigos compõe a seção de obras especiais.
De cada um desses conjuntos foram extraídas peças ainda mais especiais que deram origem à coleção de Obras Raras, atualmente composta por 2,5 mil obras que datam do século 15 ao século 20. De tão especiais, essas peças ficam em local de acesso restrito a funcionários, com controle de umidade e temperatura, e o manuseio requer cuidado redobrado.
A mais antiga entre as obras raras é um grande livro com cantos gregorianos, encadernado em couro com detalhes em metal. A peça é ilustrada com 158 iluminuras com motivos florais pintadas a têmpera de ovo.
Segundo a diretora técnica de Coleções Especiais e Obras Raras, Tereza de Carvalho, o manuscrito em pergaminho é do século 15 e foi doado à Unicamp por Pietro Maria Bardi. Atribui-se a autoria da obra ao presbítero Stephanus Aretinus.
Enquanto as bibliotecas mantêm a guarda dos acervos de livros e periódicos, a memória científica e documental da universidade é preservada pelo Sistema de Arquivos (Siarq). Também para o Siarq são encaminhados os documentos que integram fundos e coleções privados depositados na instituição.
Entenda
Fundo: documentos produzidos e/ou acumulados por instituições ou indivíduos no decorrer de suas atividades.
Coleção: documentos reunidos artificialmente em função de um interesse ou de um assunto.
Fonte: Cedae/IEL/Unicamp
Preciosidades disponíveis em algumas bibliotecas e arquivos da Unicamp.
Todo o material está aberto à consulta pública.
BIBLIOTECA CENTRAL CÉSAR LATTES
Coleção Sérgio Buarque de Holanda
Características: 8.513 livros, 227 títulos de periódicos, 600 obras raras e 74 rolos de microfilme. As obras concentram-se nas áreas de ciências humanas, especialmente história, literatura, ciências sociais e filosofia.
Aquisição: a coleção foi adquirida pela Unicamp, em 1983.
Curiosidades: primeira coleção a integrar o acervo de obras especiais da Unicamp. Reproduz o escritório de Sérgio Buarque de Holanda, com os móveis em madeira, objetos pessoais e até a máquina de datilografia com a qual ele escreveu Raízes do Brasil. Destaque para as edições dessa obra e suas traduções para o francês, espanhol, italiano, alemão e japonês, além dos troféus Jabuti e Juca Pato.
Coleção César Lattes
Características: 1.780 volumes, entre livros e revistas. Fotos, documentos pessoais e diplomas estão arquivados no Sistema de Arquivos (Siarq).
Aquisição: coleção doada, no início deste ano, pela família do físico e professor da Unicamp.
Curiosidades: o escritório de Lattes foi reproduzido no local com seus móveis e objetos pessoais. O físico tinha particular interesse por coisas referentes ao Pantanal. Um jacaré empalhado decora o espaço.
Biblioteca Cicognara
Características: coleção sobre história da arte com 40 mil microfichas reproduz mais de 3,6 mil títulos que pertenceram à biblioteca particular do Conde Francesco Cicognara (1767-1834). Além de crítico, Cicognara foi historiador da arte, bibliófilo e pintor.
Aquisição: adquirida em 2002, por meio de um projeto temático, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Curiosidades: os títulos que compõem a Biblioteca Cicognara são dos séculos 16 e 17. A coleção, que integra o acervo da Biblioteca Apostólica do Vaticano, foi digitalizada pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e disponibilizada para instituições interessadas em sua aquisição. A Unicamp é a única universidade na América Latina a possuir o acervo. As informações bibliográficas sobre as obras da Cicognara podem ser acessadas no catálogo on-line Global Acervus, pelo site da Unicamp.
Coleção de História em Quadrinhos
Características: acervo formado por 160 coleções com 8.950 gibis infantis, infanto-juvenis e adultos. São títulos nacionais publicados do final da década de 50 ao início dos anos 90.
Aquisição: 6,5 mil volumes foram doados em 1995 por um único colecionador, ex-aluno da Unicamp.
Curiosidades: destacam-se o número 1 de diversos títulos, como Turma da Mônica, Pato Donald e Tio Patinhas. Também integram a coleção, gibis de Tarzan em cores, Jim das Selvas, Mandrake, Fantasma e alguns mangás, como Akira.
Coleção de Obras Raras
Características: tem como base livros e periódicos raros das coleções Paulo Duarte, Sérgio Buarque de Holanda, Oswald Peckolt, Eugênio de Toledo Artigas, além de obras das coleções de Alexandre Eulálio, Peter Eisenberg, Aristides Cândido de Mello e Souza e José Albertino Rodrigues. Contém obras do século 15 ao século 20, dificilmente encontradas em outras bibliotecas ou arquivos. Destacam-se os livros sobre o Brasil, escritos por viajantes dos séculos 16 ao 19, e obras dos períodos Colonial e Imperial, além de publicações de grande interesse para a pesquisa histórica, econômica, política, de costumes e de história natural.
Curiosidades: pergaminhos com cantos gregorianos, ilustrados com iluminuras com motivos florais do século 15. Coleção com 25 livros em miniatura de diversos autores e origens. Livro publicado por G. V. Von Langsdorff, em 1813, em Londres, sobre suas viagens pelo mundo. E uma edição do século 19 de O Inferno de Dante, com letras em ouro na capa e ilustrações de Gustavo Doré.
Coleção Alexandre Eulálio
Características: é a maior coleção especial da Biblioteca Central. O acervo, que pertenceu ao crítico literário e professor da Unicamp, é composto por 12 mil volumes em literatura e artes.
Aquisição: adquirida pela Unicamp em 1991.
Curiosidades: o arquivo pessoal de Eulálio, com artigos jornalísticos e críticos colecionados por ele, está guardado no Centro de Documentação Alexandre Eulálio (Cedae), do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL).
Grandes nomes
O Centro de Documentação Alexandre Eulálio (Cedae), do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), foi criado em 1984. O acervo é voltado à área de lingüística e à literatura brasileira. Possui muitos manuscritos de grandes nomes dessa arte, arquivos pessoais de intelectuais e um extenso acervo em áudio de projetos de pesquisa.
O Cedae tem 21 fundos e 20 coleções, muitos deles disponíveis na internet, por meio do Sistema de Arquivos Históricos da Unicamp. É possível conferir on-line os documentos que compõem cada fundo e coleção, com destaque para o de Monteiro Lobato, que está em fase mais adiantada de atualização na web.
A proposta, segundo a supervisora do Cedae, Flávia Carneiro Leão, é oferecer, num futuro breve, além de links para imagens e manuscritos, arquivos de áudio.
ACERVO PERTENCENTE AO CEDAE
Alexandre Eulálio
Características: o fundo é composto por 2.392 manuscritos/datiloscritos, 2.483 impressos, 704 fotografias, 467 diapositivos, 218 negativos, 353 cartões-postais, 91 desenhos, 39 cópias fotostáticas, 25 gravuras, dez pinturas e dois objetos. Datam predominantemente do período entre 1932 e 1988.
Aquisição: o acervo foi doado por Fernando César Pimenta da Cunha em 1988.
Curiosidades: inclui a produção intelectual de Alexandre Eulálio e de terceiros, assim como fotografias, correspondências, cadernetas de anotações, e impressos referentes às suas atividades como crítico literário, escritor e professor.
Fundo Monteiro Lobato
Características: fundo composto por 600 manuscritos/datiloscritos e 468 impressos, 600 fotografias, 165 desenhos e aquarelas e sete objetos. O material data do período de 1822 a 1948.
Aquisição: o material foi doado em comodato pela família em 2000.
Curiosidades: o acervo contém um caderno de receitas de Maria Pureza Natividade, mulher do escritor, que ele transformou em livro de receitas literário. Também inclui vasta correspondência do período de namoro e outras cartas trocadas com amigos, escritores e editores.
Fundo Oswald de Andrade
Características: 592 manuscritos/datiloscritos e 1.599 impressos, 240 fotografias, 39 negativos, 16 desenhos, 1 cartaz, 1 cartão-postal e 1 gravura, com datas que vão, predominantemente, de 1880 a 1955.
Aquisição: parte do acervo foi adquirida da família em maio de 1985; e o restante, em dezembro de 1999.
Curiosidades: aborda os mais diversos temas relacionados às literaturas brasileira e estrangeira e à crítica literária, ao modernismo, às artes em geral.
Fundo Paulo Duarte
Características: contém correspondências, recortes de jornais e revistas, cartões-postais, fotografias, quadros, gravuras, mapas, gráficos e objetos acumulados por Paulo Duarte, que foi redator do jornal O Estado de S.Paulo, diretor da revista Anhembi e fundador do Museu de Pré-História da Universidade de São Paulo (USP). Ainda integram o fundo nove livros de memórias, incompletas, pois Duarte planejara um total de quinze volumes, e inúmeros dossiês, que refletem a efervescência cultural e política do Brasil entre o século 19 e o começo dos anos 80.
Aquisição: o acervo foi doado à universidade em 1985 e transferido ao Cedae em novembro de 1994.
Curiosidade: é o maior acervo do Cedae e ocupa 37 metros lineares.
Coleção de Línguas Indígenas
Características: composta por cerca de 550 textos, com dados e registros de 142 línguas indígenas. Há registros textuais, microfichas, impressos e cópias xerográficas, de documentos inéditos ou já publicados, mas de difícil acesso, resultantes de pesquisas e trabalhos de campo realizados por lingüistas, missionários, antropólogos e indigenistas.
Aquisição: o material foi doado em 1990.
Movimentos sociais
Criado em 1974 com a chegada à Unicamp dos documentos de Edgard Leuenroth, pensador anarquista nascido em Mogi Mirim, o Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), localizado no Instituto de Filosofia de Ciências Humanas (IFCH), preserva registros dos mais diversos movimentos sociais ocorridos no Brasil.
Inicialmente voltado à conservação de material sobre o movimento operário e o sindicalismo, o AEL tornou-se referência em assuntos que envolvem lutas sociais em geral e conta com acervos sobre os movimentos negro, feminista, gay e estudantil. "Há uma pluralidade grande de assuntos", diz seu diretor Sidney Chalhoub.
Com o passar do tempo, o AEL também começou a receber materiais que fogem ao seu tema central, como os arquivos do Ibope. "Eles nos doaram todas as pesquisas eleitorais, de hábitos de consumo e de audiência a partir de 1990. É um material de extrema importância para o País", observa Chalhoub. Outra coleção de destaque é a dos documentos do projeto Brasil Nunca Mais, que originou o livro de mesmo nome.
O acervo do AEL é formado por 81 fundos e coleções, com 30 mil livros, mais de seis mil folhetos, mais de dez mil títulos de jornais, revistas e boletins nacionais e estrangeiros, 44,8 mil fotografias, além de fitas de vídeo e áudio, postais, discos, mapas, partituras, cartazes e até películas cinematográficas.
Além do fundos pertencente a Leuenroth, o AEL tem arquivos de outras personalidades, como Luiz Carlos Prestes, Zilco Ribeiro, Pagu e Geraldo Ferraz, além dos acervos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), do Teatro Oficina e do Partido Comunista Brasileiro, entre muitos outros.
O AEL possui também uma rica biblioteca com raridades como os três volumes sobre assuntos jurídicos de 1756/57 escritos pelo autor italiano Giovanni Vincenzo Gravina. São as obras mais antigas do arquivo.
Entre os livros brasileiros, a Legislação Brazileira, de 1836, é a mais antiga. São quatro volumes com leis, decretos e atos formais do período de 1803 a 1831.
Outro exemplar raro, é a primeira edição do livro Zé Brasil, de Monteiro Lobato, publicado em 1947. Dos 250 volumes impressos, apenas três se salvaram da apreensão da polícia durante a ditadura. E dos três exemplares restantes, dois se encontram no AEL.
O Manual do Guerrilheiro, de autoria desconhecida, é outro destaque do acervo. A publicação, datilografada e com desenhos feitos à mão, é um manual com táticas de guerrilha.
História de Campinas
O Centro de Memória da Unicamp (CMU) guarda para as futuras gerações o histórico da região de Campinas. Mas a instituição, fundada em 1985, preocupa-se não só com a preservação, mas também com o resgate dessa história, como enfatiza a diretora do CMU, Olga von Simson.
O CMU desenvolve vários projetos de resgate histórico em bairros de Campinas, junto a empresas privadas e a instituições públicas. O trabalho, segundo Olga, é feito com a participação da própria população local.
O acervo de fundos e coleções, especialmente referentes à região, é composto por 80 mil processos, 1,8 mil rolos de microfilme, 280 microfichas, 900 livros de registro, 700 entrevistas gravadas em cassete e 50 vídeos, que datam dos séculos 18 ao 20.
A instituição também conta com um laboratório iconográfico com 30 mil imagens, um laboratório de história oral, com registros sobre as classes populares, uma editora que já publicou inúmeros títulos, além de uma hemeroteca. "Temos um acervo multidisciplinar para estudos sobre a realidade da região de Campinas, sob as óticas histórica, social e cultural", observa Olga.
Um dos acervos de maior destaque é o do fotógrafo V8, composto por cinco mil fotografias que mostram o desenvolvimento de Campinas do século 19 aos anos 80. Também integram a coleção do CMU documentos importantes como o fundo do Tribunal de Justiça de Campinas, formado por 50 mil processos, do período de 1793 a 1940.
A um clique do mouse
O futuro está nas bibliotecas e nos acervos especiais da Unicamp. A universidade moderniza as formas de levar o conhecimento produzido dentro de seus limites para os mais distantes lugares do globo terrestre.
Uma das maiores responsáveis por essa difusão científica é a Biblioteca Digital, que em apenas três anos coleciona números grandiosos. Inaugurada em agosto de 2003 com 1,5 mil teses, a biblioteca superou, em meados de setembro, a marca de dez mil teses e dissertações publicadas integralmente.
"Hoje, a Unicamp é a universidade que possui o maior acervo digital do País", destaca o coordenador do Sistema de Bibliotecas da instituição, Luiz Atílio Vicentini. E mais que isso: 1,18 milhão de downloads já foram feitos desde seu lançamento, o que significa uma média de 118 downloads por tese. O acesso aos trabalhos defendidos na universidade é gratuito. Para isso, é necessário apenas fazer um cadastro prévio.
O sistema conta com 195 mil usuários cadastrados, muitos deles de outros países. Segundo Vicentini, as teses da universidade já foram acessadas por pessoas do mundo inteiro por meio da Biblioteca Digital, uma tendência que está se expandindo pelo mundo acadêmico.
Até o programa de gerenciamento foi produzido pela própria universidade. O Nou-Rau é um software livre que vem sendo usado por outras instituições de ensino brasileiras, que começam a elaborar suas bibliotecas digitais.
A digitalização tornou-se palavra-chave até entre os acervos especiais da Unicamp. O objetivo é ampliar a disseminação do conhecimento e facilitar o acesso à documentação histórica depositada na universidade. Graças à digitalização, já é possível consultar alguns dos acervos raros da universidade pela internet.
Muitas bibliotecas e arquivos especiais da Unicamp investem na transferência de seu material para a internet. "Estamos batalhando para ter uma biblioteca digital de obras raras", informa Vicentini.
Curiosidade
- A maior biblioteca da universidade é a do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Até o final do ano passado, a biblioteca contava com 146.507 volumes.
- Em segundo lugar, está a Biblioteca Central, com 104.368 volumes.
- Em terceiro, vem a do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), com 86.959 volumes.
Nossas fontes
Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) http://www.ifch.unicamp.br/ael
Biblioteca Central César Lattes http://www.sbu.unicamp.br/bccl
Centro de Documentação Alexandre Eulálio (Cedae) http://www.iel.unicamp.br/cedae
Centro de Memória da Unicamp (CMU) http://www.unicamp.br/cmu
Unicamp http://www.unicamp.br
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