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Moradores, comércio e até gays rejeitam criação da ''Rua Gay''

 

Moradores, comércio e até gays rejeitam criação da ''Rua Gay''

Idealizador da proposta de oficializar Frei Caneca diz que preconceito gera má repercussão

Rodrigo Pereira

A proposta de oficializar a Frei Caneca como a primeira "rua gay" do País provocou reação contrária de moradores, comerciantes e até mesmo de ativistas do movimento gay de São Paulo. A Associação Casarão Brasil, idealizadora do projeto, atribui a má repercussão ao preconceito e ao desconhecimento das melhorias que a tematização da rua traria.

O presidente da associação, Douglas Drummond, explicou que a oficialização prevê a abertura de um concurso de projetos arquitetônicos para revitalizar a rua. Além disso, ele já está reformando o imóvel onde ficará a sede do Casarão - um centro para receber gays de todo o Brasil que oferecerá serviços gratuitos de agenciamento de emprego, internet, fax, atendimento médico, cursos, centro cultural e outros.

A associação, segundo Drummond, já preparou material para detalhar as propostas e vai iniciar na segunda-feira um levantamento em toda a rua para apontar quem é favorável ou contrário à medida - uma exigência da Câmara e da Prefeitura de São Paulo para discutir a viabilidade da implementação da rua gay na Frei Caneca.

Surpreendida, a Sociedade dos Amigos e Moradores do Bairro de Cerqueira César (Samorcc) convocou reunião na terça-feira na Paróquia Divino Espírito Santo - vizinha de parede do Casarão - para discutir o assunto com síndicos. O padre Lucas, que empresta sala para as reuniões da Samorcc, não quis falar da disputa. "Me recuso a dar entrevista ou a fazer qualquer comentário sobre isso."

"Ninguém está gostando dessa história", lançou a diretora da subárea da Consolação da Samorcc, Mara Palla. "Vai criar uma estigmatização, é querer criar artificialmente uma coisa que não existe. É querer impingir a uma área algo que só vai criar uma situação de comentários", disse Mara.

Ela fez questão de ressaltar que sua posição e a de moradores que reclamam do projeto "não é de preconceito". "Temos gays no bairro e não é de hoje. Convivemos e respeitamos, tem muito morador gay. Mas como estão fazendo é até uma forma de estimular a segregação", avaliou, temendo que a história da rua "seja jogada no lixo" ao ser oficializada gay.

Mesmo a Associação da Parada do Orgulho Gay mostrou-se desfavorável à idéia, por entender que criaria ali um gueto. "Nossa posição não é contrária, mas a de que não podemos aceitar mais guetos. Queremos ter o direito de ir e vir em qualquer lugar, como qualquer outro indivíduo. Não queremos uma zona de exclusão", disse Alexandre Santos, presidente da Parada, maior evento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), que neste ano reuniu 3,4 milhões de pessoas em São Paulo. "Mas foi bom por levantar a discussão."

Comerciantes e síndicos próximos ao imóvel do Casarão criticaram duramente a idéia de oficializar a rua gay. "Já chamam de Frei Boneca ou Gay Caneca, mas virar um ícone oficial, aprovado pela Câmara, aí, não dá", protestou Ronaldo Cainelli, de 46 anos, proprietário de um bar na esquina com a Rua Mathias Aires. "O Raul Seixas bebia aqui, tem de pensar na história do próprio Frei Caneca, não pode", opinou Cainelli.

"Vai perder muito aquele negócio de família aqui", disse Mara Lima, supervisora do Hotel San Gabriel. "A gente convive bem com todo mundo, mas não dá para selar todo mundo na rua como gay", criticou o síndico Alfredo Garcia, de 55 anos.

Proprietário de um mercado na Frei Caneca desde 1974, o português José Antonio disse ser contrário e acreditar que esse é mais um modismo. "Já teve mulheres - prostituta, sabe? -, depois vieram os nordestinos morar aqui, temos essas mudanças. E essa é a mais recente."

Drummond rebateu as manifestações contrárias, classificando-as como "preconceituosas". "A idéia é segregar mesmo. Hoje eu não consigo andar de mão dada com meu companheiro onde quer que seja; é preciso um espaço onde nos respeitem e nos sintamos seguros pra ser o que somos."

Entre os favoráveis à medida estão Sílvia Aparecida da Silva, funcionária de um hotel, e a dona de um chaveiro, Ilza Araújo. "Sou favorável, até porque nosso público é 100% gay", disse Sílvia. "A turma é alegre, não tem problema nenhum", disse Ilza.

"Seria ótimo mudar, trazer melhorias aqui. Mas todo mundo acha essa coisa de ser gay bonito, quando não é com sua família. Por isso acho que vai ter muita resistência. Tem muito morador tradicional, vai ser difícil passar", disse um professor universitário, que pediu anonimato.

Enquete feita pelo portal Estadão.com.br recebeu, até as 23 horas, 1.292 votos. A maioria, 55% dos internautas, se disse contra a nomeação da rua como "gay", ante 45% dos que são a favor.

 

ESTADO DE SP 26 DE JULHO DE 2008

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