Entrevista
David Graddol:  lingüista britânico
Ao contratar, diz ele, patrão não quer sotaque e  vocabulário impecáveis, mas habilidade concreta de usar idioma no trabalho 
Ricardo Westin
Falante nativo  do inglês, o lingüista e pesquisador britânico David Graddol avisa aos alunos  estrangeiros que já não faz sentido sofrer estudando para ter vocabulário de  Shakespeare e pronúncia de BBC.
"Você não precisa mais ter o 'inglês da  rainha'. As circunstâncias práticas do mundo estão menos focadas nisso",  explicou ele ao Estado. "Na hora de contratar, os patrões não ficam  impressionados se você fala como nativo. Querem saber se você sabe usar o inglês  como instrumento de trabalho. Até porque, em muitos casos, o diálogo será entre  pessoas que não têm o inglês como língua materna."
O inglês global - esse  idioma que é falado por estrangeiros e que não procura ser perfeito - foi o tema  central da palestra dada por Graddol, há dez dias, numa conferência para  educadores latino-americanos realizada em São Paulo pela Latin American British  Cultural Institutes (Labci), pelo British Council e pela Cultura  Inglesa.
Durante sua palestra, porém, ao afirmar que o inglês casto está  ficando para trás na comunicação internacional, o lingüista evitou a expressão  "inglês da rainha". Quem estava na platéia, como convidada de honra, era a  princesa Anne, filha da rainha Elizabeth II.
O que é o inglês  global?
É o inglês como língua franca, um idioma que não pertence a  ninguém e é usado na comunicação entre pessoas de diferentes locais. Várias  forças espalharam o inglês pelo mundo, como a colonização britânica na América e  na Ásia e o avanço da influência dos EUA durante a Guerra Fria. Atualmente, o  que impulsiona o inglês global é a necessidade da comunicação por razões  econômicas. O fenômeno mais próximo disso ocorreu na Europa durante a Idade  Média, com o latim, que era a língua dos acadêmicos, dos cientistas, dos  religiosos... 
Em que esse inglês global difere do falado na Inglaterra e  nos EUA?
Diferentemente daquilo que as pessoas imaginam, o inglês global  não é uma variedade de inglês, não é um sotaque. É um fenômeno que vai muito  além disso. Tem a ver com a aplicação prática da língua, os motivos para  aprendê-la, que habilidades ela pode dar. Já não adianta ir a um curso  convencional e aprender o inglês geral. Na hora de contratar, os patrões não  ficam impressionados se você fala como um nativo, não se preocupam com precisão  de vocabulário. Eles querem saber se você, em inglês, consegue persuadir alguém,  vender um produto, negociar, estabelecer confiança. Enfim, se você sabe usar o  inglês como instrumento de trabalho. 
Isso é um fenômeno  recente?
Sim. Até pouco tempo atrás, o falante nativo era visto  universalmente como o melhor professor de inglês. Hoje chegamos à conclusão de  que você não precisa mais ter o "inglês da rainha". As circunstâncias práticas  do mundo estão menos focadas nisso. Em certos momentos, o fato de o inglês não  sair perfeito chega a ser uma vantagem, porque ajuda a criar confiança quando o  diálogo é entre falantes não nativos. Se você fala muitíssimo bem, o  interlocutor fica inseguro e até mesmo defensivo em relação ao seu próprio nível  de inglês.
As escolas de inglês já se dão conta dessa nova  realidade?
Muitas sim. A Noruega, por exemplo, recentemente fez uma  mudança no currículo das escolas secundárias. A língua inglesa passou a ser  encarada como uma ferramenta que os noruegueses vão utilizar com outros falantes  não nativos. E, de fato, a maior parte da comunicação é dessa maneira.
O  sr. se sente incomodado quando ouve o inglês falado mal?
Não, mas há  muitos britânicos que ficam incomodados quando ligam para um serviço telefônico  e quem atende é um indiano. Apesar de se queixaram do inglês que o atendente  fala, o ressentimento vem, na realidade, do fato de muitos empregos estarem  sendo transferidos da Grã-Bretanha para a Índia. E veja que dado interessante:  um pesquisador observou que muitos não nativos jamais vão conseguir pronunciar o  "th" (o som, que não existe no português, é produzido com a língua entre os  dentes) e concluiu que isso faz pouca diferença na comunicação. Então por que  passamos tantas horas em salas de aula do mundo inteiro tentando fazer com que  os alunos pronunciem um "th" impecável? Por outro lado, existem pessoas que não  pronunciam a última sílaba das palavras em inglês, o que - isso sim - compromete  a comunicação. Devemos aprender a gastar o tempo com coisas que realmente  importam. 
Quem é:
David Graddol
Nascido na Inglaterra, ele  é lingüista, pesquisador, consultor e escritor especializado no inglês como  língua estrangeira
É autor dos livros English Next e The Future of  English? 
Nessa área, realizou pesquisas para entidades do governo  britânico, como a BBC e o British Council  
 
 
 
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