Pois, efetivamente, é preciso durar um pouco mais do que a voz; é preciso, efetivamente, por meio da comédia do escrito, inscrever-se em algum lugar.
(Roland Barthes, Da fala à escritura, La Quinzaine Littéraire, 1-15 março de 1974).
Pois, efetivamente, é preciso durar um pouco mais do que a voz; é preciso, efetivamente, por meio da comédia do escrito, inscrever-se em algum lugar.
(Roland Barthes, Da fala à escritura, La Quinzaine Littéraire, 1-15 março de 1974).
Para o texto, a única coisa gratuita seria sua própria destruição: não escrever, não mais escrever, salvo do risco de ser sempre recuperado.
Estar com quem se ama e pensar em outra coisa: é assim que tenho os meus melhores pensamentos, que invento melhor o que é necessário ao meu trabalho. O mesmo sucede com o texto: ele produz em mim o melhor prazer, se consegue fazer-se ouvir indiretamente; se lendo-o sou arrastado a levantar muitas vezes a cabeça, a ouvir outra coisa. Não sou necessariamente cativado pelo texto de prazer; pode ser um ato ligeiro, complexo, tênue, quase aturdido: movimento brusco da cabeça, como o de um pássaro que não ouve nada daquilo que nós escutamos, que escuta aquilo que nós não ouvimos.
(...) Apresentam-me um texto. Esse texto me enfara. Dir-se-ia que ele tagarela. A tagarelice do texto é apenas essa espuma de linguagem que se forma sob o efeito de uma simples necessidade de escritura. Não estamos aqui na perversão, mas na procura. Escrevendo seu texto, o escrevente adota uma linguagem de criança de peito: imperativa, automática, sem afeto, pequena debandada de cliques (...) : são os movimentos de uma sucção sem objeto, de uma oralidade indiferenciada, separada da que produz os prazeres da gastrosofia e da linguagem. O senhor se dirige a mim para que eu o leia, mas para si nada mais sou que essa direção; não sou a seus olhos o substituto de nada, não tenho nenhuma figura (apenas a da Mãe); não sou para si um corpo, nem sequer um objeto (isso pouco se me dá: não é a alma que reclama seu reconhecimento) , mas apenas um campo, um vaso de expansão. Pode-se dizer que finalmente, esse texto, o senhor o escreveu fora de qualquer fruição; e esse texto-tagarelice é em suma um texto frígido, como o é qualquer procura, antes que nela se forme o desejo, a neurose.
(...) O texto que o senhor escreve tem de me dar prova de que ele me deseja. Essa prova existe: é a escritura. A escritura é isto: a ciência das fruições da linguagem, seu kama sutra(desta ciência só há um tratado: a própria escritura).
Barthes, Roland. O prazer do texto. 3a ed. Editora Perspectiva: São Paulo, pp. 32;9-11.
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